Page 22 - O Que Faz o Brasil Brasil
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domicílio, mas que não são parte da família. Um parente que veio do
Norte em busca de médico ou segurança psicológica; um amigo em
dificuldade financeira ou crise matrimonial; um velho empregado que
não tem para onde ir nem lugar para ficar; um compadre que precisa
de emprego e necessita falar com uma autoridade da grande cidade;
um amigo que precisa de um santuário para evitar a prisão motivada
por idéias e convicções políticas; uma mulher que temporariamente
foge do pai ou irmão para acertar definitivamente sua nova filiação
social. Até mesmo os animais domésticos podem incluir-se nessa
definição, pois de fato participam do espaço positivo da residência,
ajudando a conceituá-la de modo socialmente positivo ou negativo.
Não é à toa que falamos que nosso cachorro é mais manso e mais
esperto; que nosso gato tem o pêlo mais luzidio e a preguiça mais
bonita e gostosa, e que nosso passarinho canta mais bonito e mais
alto...
Tudo, afinal de contas, que está no espaço da nossa casa é
bom, é belo e é, sobretudo, decente. Até mesmo as nossas plantas
são mais viçosas que as dos vizinhos e amigos. E como não podemos,
por causa de uma proibição extremamente moral (aquilo que nós,
antropólogos, chamamos de tabu), comer nossos animais domésticos
(noto que entre os astecas os cães eram comidos e vendidos no
mercado), nem nossas plantas caseiras, eles cumprem uma função
estritamente simbólica. De fato, são criados para diferenciar e não
para cumprir qualquer função prática. Assim, são como nós e nos
ajudam a estabelecer nossa mais profunda identidade social, como
membros indiferenciados de um mundo anônimo e asfaltado onde
ninguém conhece ninguém — esse mundo tenebroso da selva de
pedra; e como membros diferenciados que residem numa dada parte
da cidade e que podem transformar esse local onde moram em algo
único, especial, singular e “legal”. Tudo isso, repito, que nós
diferenciamos como o espaço do lar. Algo que contrasta
terrivelmente com a morada coletiva das prisões, dormitórios,