Page 23 - O Que Faz o Brasil Brasil
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alojamentos  e  hotéis  e  motéis, onde não se pode efetivamente

                  projetar nas paredes,, nas portas, no chão e nas janelas a nossa
                  identidade social.

                         Como espaço moral importante e diferenciado, a casa se

                  exprime numa rede complexa e fascinante de símbolos que são

                  parte da cosmologia brasileira, isto é, de sua ordem mais profunda e
                  perene. Assim, a casa demarca um espaço definitivamente amoroso

                  onde a harmonia deve reinar sobre a confusão,  a  competição  e  a

                  desordem. Em casa, sabemos todos — como bons brasileiros que

                  somos —, não devemos comprar, vender ou trocar. O comércio está
                  excluído da casa corno  o  Diabo  se exclui do bom Deus. Do mesmo

                  modo, as discussões políticas, que revelam e indicam posições

                  individualizadas e quase sempre discordantes dos membros de uma

                  família, estão banidas da mesa e das salas íntimas, sobretudo dos

                  quartos. Se elas são inevitáveis, transcorrem certamente nas varandas
                  e quintais, locais marginais da casa, posto que  situados entre o seu

                  interior (cujo calor revela a igualdade de substância e de opiniões das

                  pessoas que ali residem) e a rua: o mundo exterior que se mede pela
                  “luta”, pela competição e pelo anonimato cruel de individualidades

                  e  individualismos.  Dai por que, em casa e no código da família

                  brasileira, existe uma tendência de produzir sempre um discurso

                  conservador, onde os valores morais tradicionais são defendidos pelos

                  mais velhos e pelos homens. Daí também por que na casa podemos
                  ter de tudo, como se ali o espaço fosse marcado por um supremo

                  reconhecimento pessoal: uma espécie de supercidadania que

                  contrasta terrivelmente com a ausência total de reconhecimento que

                  existe na rua. Em casa, portanto,  tenho tudo e sou reconhecido nos
                  meus mais ínfimos desejos e vontades. Sou membro perpétuo de uma

                  corporação (a família brasileira) que não morre e que, com sua rede

                  de compadres, empregados,  servidores e amigos,  tem muito  mais

                  vitalidade e permanência do que o governo e a administração
                  pública, que sempre competem com ela pelo respeito do cidadão.
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