Page 68 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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A  tutela  provisória  requer  convicção  de  probabilidade.  Porém,  se  o  juiz  não  pode  deixar  de
                  conceder a tutela de urgência com base no argumento de que o autor não se eximiu do ônus da prova,
                  na  hipótese  típica  de  tutela  da  evidência  os  fatos  constitutivos  são  incontroversos  e  a  dúvida  recai
                  sobre as alegações de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos –  cujo  ônus  da  prova  é  do  réu.
                  Tratando-se de tutela da evidência, a probabilidade em regra diz respeito à defesa de mérito indireta.
                  E nesse caso a probabilidade deve ser de que a defesa é infundada ou não será acatada.

                     A  tutela  de  urgência  apresenta-se  necessária  quando  a  posição  do  autor  está  gravemente
                  fragilizada,  já  que  está  sendo  ameaçada  por  perigo  de  dano.  Para  tornar  possível  a  sua  proteção,
                  outorgou-se  expressamente  ao  juiz  a  possibilidade  de  decidir  com  base  em  probabilidade,  o  que
                  significa que ele está proibido de pensar em uma convicção de verdade, própria à regra do ônus da
                  prova. Para a concessão da tutela de urgência, basta-lhe a convicção de probabilidade preponderante,
                  isto é, que o material trazido ao processo indique que o direito do autor é mais provável do que o do réu.

                     Mas  na  tutela  de  urgência  também  assumem  importância:  i)  as  razões  que  levaram  o  juiz  a
                  acreditar,  ou  não,  na  prova;  ii)  a  ligação  que  o  juiz  estabeleceu  entre  as  provas  e  os  fatos;  iii)  os
                  motivos que levaram o juiz a estabelecer, ou não, uma presunção; e iv) a consideração das regras de
                  experiência que guiaram o raciocínio judicial. Assim, nada significa dizer, seca e simplesmente, que há,
                  ou não, probabilidade, pois  essa  convicção  deve  resultar da  justificativa  da  decisão.  Grosso  modo,  é
                  preciso descrever o fato probando e as provas produzidas, explicar a relação entre as provas e os fatos
                  – inclusive indiciários –  e  a  relação  entre  os  fatos  indiciários  provados  e  o  fato  probando,  além  de
                  deixar claras as regras de experiência – e os seus fundamentos – que conduziram o raciocínio judicial.

                     Observa-se  que,  na  prática  forense,  não  se  dá  importância  para  a  definição  de  fato  indiciário  e,
                  consequentemente, para os raciocínios (presuntivos) que são feitos – na maioria das vezes de forma
                  despercebida  –  ligando  os  fatos  indiciários  ao  fato  probando.  Mais  especificamente,  nota-se  uma
                  completa desatenção para com as regras de experiência que fundamentam os raciocínios destinados a
                  fixar as presunções. Porém, as regras de experiência e os raciocínios presuntivos não só devem ser
                  claramente explicitados, como devidamente fundamentados como aptos à formação das presunções.
                  Se o juiz deve julgar com base em critérios racionais, não há como a motivação esquecer de demonstrar
                  a racionalidade das regras de experiência, sejam comuns ou técnicas.

                     Tudo isso quer dizer que a justificativa deve explicar o desenvolvimento do raciocínio que conduziu
                  à  decisão,  e  não  apenas  enunciar  o  seu  resultado.  Com  efeito,  pouco  esclarece  dizer  que  há  ou  não
                  probabilidade sem explicar os motivos desse convencimento.

                     A peculiaridade da decisão da tutela urgente está em que todos esses critérios de convencimento,
                  como o da relação entre a prova e os fatos e o da relação entre os fatos indiciários e o fato probando,
                  não exige o esgotamento da regra do ônus da prova, pois aqui ela deve ser vista como uma régua – como
                  queria a doutrina escandinava da verossimilhança preponderante  – que, fixando-se no grau 50, aponta
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                  em favor do autor quando inclina para a direita (de 50 para cima) e, em favor do réu, quando pende para
                  a esquerda (de 50 para baixo).

                     Por isso, são relevantes cada um dos critérios antes apontados e, consequentemente, os motivos que
                  levaram à conclusão de probabilidade ou verossimilhança da posição de uma parte ou outra. Ou melhor,
                  a motivação da decisão urgente deve ser tão racional quanto a da sentença, com a única diferença de que
                  deve justificar apenas uma convicção de probabilidade.

                     Frise-se  que  a  justificação  tem  valor  em  si  mesma,  uma  vez  que  dela  depende  a  idoneidade  da
                  decisão.  Ou  seja,  para  se  ter  uma  decisão  como  idônea,  é  preciso  verificar  a  racionalidade  da  sua
                  justificação, que objetiva explicar a racionalidade dos raciocínios probatório e decisório.
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