Page 64 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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segundo as suas necessidades.
Recorde-se que o art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, afirma o direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva, obrigando o Estado a instituir técnicas processuais idôneas à tutela dos direitos. O
cidadão que afirma ter um direito deve ter ao seu dispor as medidas e os instrumentos necessários à
realização do seu eventual direito. Se o direito à tutela jurisdicional efetiva é garantido
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constitucionalmente, o legislador infraconstitucional é obrigado a estruturar o sistema processual de
modo a permitir a efetividade da tutela dos direitos. Um sistema que não possui procedimento e
técnica processual adequados à tutela de uma determinada situação de direito substancial não está
estruturado de acordo com a exigência constitucional. Não fosse esta a conclusão correta, seria
necessário admitir que o cidadão pode ter direitos, mas não possuir meios para os fazer valer, o que
equivale dizer, simplesmente, não ter direitos. 144
Se a realidade da sociedade contemporânea não comporta a espera do tempo despendido para a
cognição aprofundada do litígio, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva está na
dependência das tutelas antecipada e cautelar. O legislador certamente tem o dever de instituir
técnicas processuais que não permitam que o cidadão seja prejudicado pela demora do processo.
Portanto, a lei, ainda que possa disciplinar os procedimentos, obviamente não pode, sob pena de negação
ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, vedar o direito de postulação das tutelas antecipada
e cautelar contra quem quer que seja, especialmente contra a Fazenda Pública.
Observe-se que a existência de perigo de dano diz respeito ao mérito cautelar, que deve ser
apreciado pelo juiz. Significa que o direito à tutela urgente não pode ser suprimido por lei com base na
impossível afirmação de que não existirá perigo de dano. Qualquer regra que afirme a proibição de
liminar está a dizer que jamais existirá necessidade de tutela urgente, ou seja, está valorando aquilo
que somente pode ser objeto da cognição do juiz. Ora, a lei não tem poder para controlar as situações
concretas de perigo. Assim, não pode partir da premissa de que nunca haverá perigo de dano. Bem por
isso, ao proibir a tutela urgente contra a Fazenda Pública, a lei deixa desamparado o particular que,
exposto a perigo de dano, necessita das tutelas antecipada e cautelar. 145
De acordo com o art. 7.º, § 2º, da Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), “não será
concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de
mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos
e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza”. Ao negar
a possibilidade de liminar diante destas hipóteses, sem dar ao juiz condições de avaliar as
particularidades do caso concreto, a regra – que agora o art. 1.059 do Código de Processo Civil pretende
ver aplicada diante da tutela de urgência – incide em inconstitucionalidade.
Não há como afirmar que é possível restringir o uso da tutela antecipada desde que a afirmação de
lesão a direito possa vir a ser apreciada ao final do procedimento comum. O § 3° do art. 1° da Lei
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8.437/92 afirma que “não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da
ação”. A regra é, em si, equivocada, na medida em que uma liminar jamais pode esgotar o objeto da
ação. Basta ver que a liminar ou a tutela de urgente é sempre concedida com base em cognição
sumária. Na verdade, o legislador não soube dizer o que pretendia. Sabe-se que o legislador quis dizer
que a liminar não pode satisfazer antecipadamente (ou com base em cognição sumária) o direito.
Porém, como já claramente demonstrado, a proibição de tutela antecipada contra a Fazenda Pública
representa violação clara ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
Frise-se que a tutela dos direitos diante do uso inadequado do Poder somente se realiza através de
garantias instrumentalizadas em processos céleres e com expedientes destinados a tutelar contra o
periculum in mora. Como já declarou o Co nselho Superior de Magistratura Italiana, é impossível
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