Page 61 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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proferir sentença capaz de produzir coisa julgada material. Ou seja, a “ação cautelar” seria suficiente
para a resolução definitiva do mérito e para a concessão de tutela satisfativa. Como no código de 1973
a obtenção de tutela cautelar obrigava a propositura de ação principal, percebia-se facilmente a
inutilidade desta ação quando se tinha clara consciência de que a ação rotulada de cautelar era
travestida para possibilitar o requerimento de liminar (de tutela antecipada). Nestes casos, a “ação
principal” era despicienda e a ação dita cautelar não era cautelar. Na verdade, em todos os casos em
que se obtinha a tutela do direito mediante liminar “cautelar”, a ação principal – cuja propositura,
repita-se, era obrigatória – perdia completamente sua utilidade. Ficou claro que bastaria um
procedimento de cognição exauriente em que fosse possível requerer tutela antecipada na petição
inicial.
O código de 2015 não chegou a admitir um procedimento autônomo para a obtenção da tutela
antecipada, seguido de um outro procedimento para o alcance da tutela final. Isto realmente seria
pouco mais do que absurdo. Porém, para atender a uma situação excepcional – a da impossibilidade de
o advogado preparar a petição inicial da ação de conhecimento diante da urgência na obtenção da
tutela –, o código complicou as coisas, abrindo oportunidade para o requerimento de tutela antecipada
na forma antecedente mediante a simples “indicação do pedido de tutela final” (art. 303, caput, CPC).
Neste caso, afirma-se que, no caso de concessão da tutela antecipada, o autor terá que “aditar a petição
inicial com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação
o
do pedido de tutela final” (§ 1 , I, do art. 303, CPC).
É possível que o legislador tenha imaginado que a parte, em determinados casos, possa não ter
tempo para apresentar ao seu advogado os documentos necessários para a finalização da petição
inicial. Contudo, a permissão de aditamento para a formulação de “pedido principal”, em virtude da
falta de documento, obviamente não gera uma presunção da sua existência, viabilizando só por isso a
formação de convicção de probabilidade capaz de dar ensejo à concessão da tutela antecipada.
Portanto, seria muito mais racional admitir ao advogado protestar pela juntada de procuração e de
documentos, demonstrando que não pode obtê-los em tempo hábil.
O problema é que o requerimento de tutela antecipada mediante petição inicial “inacabada”
infelizmente poderá ser generalizado na prática forense, na medida em que “urgência contemporânea
à propositura da ação” é algo que não pode ser medido com precisão. Isso permitirá, caso não haja
rigor judicial, que a parte possa, mascarando a situação de urgência, pedir tutela antecipada sem
correr qualquer risco de ser vencido no processo – na medida em que, para a extinção do processo
o
quando a tutela antecipada é indeferida, basta o não aditamento da petição inicial (art. 303, § 6 , CPC).
Vale dizer que, no sistema do código, o autor não só tem direito de pedir tutela antecipada sem
devidamente argumentar e apresentar documentos; tem também poder de extinguir o processo
mediante simples inércia, evitando a resolução do litígio com força de coisa julgada. Isso certamente
milita contra o sistema de distribuição de justiça, pois estimula o requerimento de tutela antecipada
destituído de bom fundamento, ou melhor, estimula o litigante a pedir tutela antecipada sem qualquer
risco de perder, lembrando-se que o requerente sempre poderá propor ação e requerer a mesma tutela
antecipada contra o mesmo réu, bastando-lhe apresentar nova prova ou a prova que faltou para
convencer o juiz da probabilidade do direito ou do perigo de dano.
6.2. Momento de concessão da tutela urgente incidental
6.2.1. Tutela de urgência antes da ouvida do réu
De acordo com o art. 300, do Código de Processo Civil, “a tutela de urgência pode ser concedida
liminarmente ou após justificação prévia”. Tanto a tutela antecipada quanto a tutela cautelar não