Page 62 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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podem privar-se da possibilidade de concessão antes da ouvida do demandado.
A efetividade da tutela de urgência pode exigir o adiamento ou a postecipação do contraditório e
do esclarecimento dos fatos. Como já declarou a Corte Constitucional italiana, a tutela de urgência
representa um componente essencial e ineliminável da tutela jurisdicional nos limites em que
necessária para neutralizar um perigo de dano. A postecipação do contraditório não é possível
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apenas quando o dano ou o ilícito podem ocorrer imediatamente ou antes da ouvida do réu, mas
também quando, dando-se prazo para o réu se manifestar, haverá oportunidade para a frustração da
própria finalidade da tutela (suspicio de dilapidatione bonorum seu de fuga), retirando-se a sua
capacidade de atender ao fim almejado. 136
Nicolò Trocker reconhece que a validade destes motivos foi acolhida pelo Bundesverfassungsgericht
alemão, mas que este advertiu que, por se tratar de interferência na esfera jurídica de alguém, a
derrogação ao princípio geral da audiência prévia somente pode ser admitida quando resultar
indispensável (unabweisbar) para o alcance da própria tutela. Em outras palavras, a concessão da
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tutela de urgência antes da ouvida do réu somente é possível quando há motivo suficiente para fazer o
juiz crer que o adiamento do seu deferimento para depois do momento oportuno à defesa
obstaculizará a tutela do direito.
A concessão da tutela de urgência antes da ouvida do réu é excepcional e assim deve ser tratada. É
preciso atentar para o fato de que o deferimento da tutela inaudita altera parte restringe o direito
fundamental de defesa e que isto apenas tem legitimidade quando o direito fundamental de ação, sem
a emissão da tutela, não pode encontrar efetividade no caso concreto. 138
6.2.2. Justificação prévia para a concessão da tutela de urgência
Mas a tutela de urgência também pode ser concedida antes da ouvida do réu mediante “justificação
prévia”. Essa justificativa é adequada especialmente quando a ouvida do demandado pode tornar a
tutela ineficaz.
Como o juiz, diante da urgência e da consequente necessidade da concessão da tutela de urgência
antes da ouvida do réu é obrigado a formar a sua convicção apenas com base nos argumentos do
autor, é natural que, em situações faticamente mais complexas e delicadas, tenha que exigir a
justificação da situação fática que ampara o pedido de tutela de urgência.
Esta justificação, em princípio, é feita sem a presença do réu. Porém, como a tutela é concedida
inaudita altera parte porque o prejuízo pode ocorrer durante o tempo necessário para a ouvida do réu
ou porque este, ao ser citado, pode frustrar a sua efetividade, não há racionalidade em admitir tutela
de urgência sem a ouvida do demandado quando há tempo para convocá-lo para participar da
justificação e não há perigo de inutilização da efetividade da tutela. Portanto, apenas quando não há
tempo para convocar o réu para a justificação prévia ou esta convocação possa permitir-lhe praticar
ato capaz de frustrar a utilidade da tutela é que se legitima a justificação sem a presença do réu.
Quanto à forma de participação do réu na justificação ou ao significado de ouvida do réu na
justificação, é preciso estar atento à circunstância de a justificação prévia ser ato mediante o qual o
juiz busca esclarecimento acerca da situação fática que ampara o pedido de tutela de urgência,
constituindo espaço processual em que o autor deve demonstrar os pressupostos para obtê-la. Assim, o
réu não tem oportunidade de apresentar defesa ou de produzir provas na justificação, embora tenha a
possibilidade de contraditar as testemunhas e de impugnar a idoneidade do especialista – afirmando-o
suspeito ou impedido –, assim como de formular perguntas às testemunhas e ao especialista com o
objetivo de suprir omissões ou eliminar contradições eventualmente presentes nos depoimentos
testemunhais e nos esclarecimentos técnicos.