Page 56 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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concluir que ela jamais poderá ser antecipada nem que ela sempre poderá ser antecipada. É por essa
razão, absolutamente lógica, que se afirma que a antecipação não pode ocorrer nas ações relativas ao
estado ou à capacidade das pessoas.
o
Contudo, para a adequada interpretação do § 3 do art. 300 não basta afirmar que a tutela
antecipada não pode prejudicar o juízo de cognição exauriente nem criar determinadas situações
jurídicas. É também necessário deixar claro que a tutela antecipada pode produzir efeitos fáticos
irreversíveis.
4.5. A irreversibilidade dos efeitos fáticos é uma consequência inerente à natureza da tutela
antecipada
Disse Cândido Dinamarco, em livro escrito quando se debatia a regra que falava em “perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado” no código de 1973: “É preciso receber com cuidado o
alvitre de Marinoni, para quem se legitimaria o sacrifício do direito menos provável, em prol da
antecipação do exercício ‘de outro que pareça provável’. O direito não tolera sacrifício de direito algum
e o máximo que se pode dizer é que algum risco de lesão se pode legitimamente assumir. O direito
improvável é direito que talvez exista e, se existir, é porque na realidade inexistia aquele que era
provável”. 118
No caso da tutela antecipada, é claro, ainda não se sabe se o direito afirmado pelo autor existe ou
não existe. É por isso que há tutela do direito provável. Falar de sacrifício do direito improvável não
seria correto para Dinamarco porque “o direito improvável é direito que talvez exista e, se existir, é
porque na realidade inexistia aquele que era provável”. Ora, a alusão a um direito improvável já traz
em si a ideia de que o direito pode existir. O que poderia ser dito, e com razão, é que o direito material
não pode ser qualificado de “provável” ou de “improvável”, pois ele existe ou não existe. Porém, a
“existência” do direito é algo que pertence ao plano do direito material. Quando se está diante do
processo civil e, em particular, do juízo sumário, está em jogo a probabilidade da existência do direito
afirmado e, portanto, o “direito provável”, que é uma categoria, assim como a do “direito líquido e
certo”, pertencente ao direito processual. A razão que impediria alguém de falar em sacrifício do
direito improvável também estaria banindo, para sempre, a já consagrada locução fumus boni iuris.
Afinal, se é impossível sustentar que um direito improvável pode ser prejudicado porque o direito pode
existir é também impossível falar em tutela de direito com base em “fumus boni iuris” porque o direito
pode inexistir.
Não há razão para não admitir tutela antecipada que possa gerar efeitos fáticos irreversíveis, pois a
tutela cautelar não raramente produz tais efeitos. Lembre-se, aliás, que a liminar do interdito
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possessório constitui hipótese clara de tutela jurisdicional que pode produzir efeitos fáticos
irreversíveis. Como deveria ser óbvio, não só conceder, mas também deixar de conceder tutela de
urgência pode causar prejuízos irreversíveis. 120
Admitir que o juiz não pode antecipar a tutela, quando a antecipação é imprescindível para evitar um
prejuízo irreversível ao direito do autor, é o mesmo que afirmar que o legislador obrigou o juiz a correr o
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risco de provocar um dano irreversível ao direito que justamente lhe parece mais provável. Ora, se o
autor, além de ter que demonstrar a probabilidade do direito, deve frisar o perigo de dano, não há como
deixar de tutelar o direito mais provável. Não só a lógica, mas também o direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva, exigem a possibilidade de sacrifício, ainda que de forma irreversível, de um direito
que pareça improvável em benefício de outro que pareça provável. Caso contrário, o direito que tem a
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maior probabilidade de ser definitivamente reconhecido poderá ser irreversivelmente lesado. Portanto,
a ética da tutela de urgência consiste no sacrifício do improvável em benefício do provável. 123