Page 54 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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É correto dizer que tanto a execução provisória da sentença que condena ao pagamento de soma
                  quanto  a  tutela  antecipada  de  pagamento  de  soma  satisfazem  o  direito  de  crédito,  e  que  isto
                  obviamente  não  é  o  mesmo  do  que  lhe  dar  simples  proteção  cautelar.   Não  deve  ter  sido  por  outra
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                  razão que Giovanni Verde afirmou, em tom incisivo, que seria sinal de escassa honestidade intelectual,
                  ou ainda de ingenuidade não escusável, pensar que o pagamento que satisfaz um crédito alimentar,
                  ainda que fundado num provimento cautelar, não implique satisfação do direito de crédito, “ma serva
                  meramente acautelarlo”. 110
                     Mas alguém poderia dizer que a tutela, embora realize o direito material, acautela a sentença. Ora,
                  supor que a tutela antecipada acautela a sentença configura completo desprezo pelo direito material e
                  inacreditável  valorização  da  técnica  processual.  Se  o  processo  é  instrumento  para  a  realização  do
                  direito  material,  é  evidente  que  as  técnicas  processuais  devem  ser  pensadas  nesta  dimensão.  Se  a
                  técnica de antecipação realiza o direito material, é absurdo pensar que está acautelando outra técnica
                  de  prestação  do  direito  material,  a  menos  que  se  pense  que  o  direito  material  apenas  pode  ser
                  realizado pela sentença.

                     Aliás, o desvio que leva a supor que a tutela antecipada é cautelar também deriva da falsa ideia de
                  que toda tutela anterior à declaração do direito – que ocorreria na sentença – constitui tutela cautelar,
                  pouco  importando  a  sua  função  e,  assim,  o  que  acontece  com  o  direito  material.  Porém,  a  tutela
                  antecipada de soma realiza o direito material do mesmo modo que a sentença condenatória seguida
                  de  execução.  O  direito  é  obviamente  realizado  e  não  apenas  acautelado  quando  a  soma  buscada
                  mediante a ação é desde logo entregue ao autor.

                     Na verdade, o equívoco do raciocínio que conclui que a tutela antecipada é cautelar fica ainda mais
                  evidente quando não se vê que a antecipação de soma realiza o próprio direito buscado através da
                  ação,  protegendo  um  direito  conexo  ao  direito  almejado,  como  corretamente  observou  a  doutrina
                  alemã para demonstrar que o arresto cautelar não é suficiente para tutelar quem necessita receber
                  judicialmente soma em dinheiro.

                     4.4. Irreversibilidade dos efeitos jurídicos da decisão

                          o
                     O  §  3   do  art.  300  afirma  que  “a  tutela  de  urgência  de  natureza  antecipada  não  será  concedida
                  quando  houver  perigo  de  irreversibilidade  dos  efeitos  da  decisão”.  Não  seria  preciso  dizer  que
                  irreversibilidade dos efeitos jurídicos e irreversibilidade dos efeitos fáticos da decisão são coisas que
                  não  se  misturam  se  não  fosse  a  confusão,  que  sempre  reinou  na  doutrina  e  nos  tribunais,  entre  a
                  estrutura e a função da tutela antecipada.

                     No direito francês, o ab-rogado art. 809,  que afirmava que o référé não pode causar “préjudice au
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                  principal”,  foi  interpretado  no  sentido  de  que  a  tutela  de  cognição  não  pode  incidir  de  modo
                  irreversível na esfera jurídica do demandado. A interpretação ecoou também na Itália e – como alerta
                  Tommaseo – ainda é responsável por algumas decisões que negam a possibilidade da concessão de um
                  “provvedimento d’urgenza” que, antecipando os efeitos da sentença de mérito, conduza à satisfação
                  integral da pretensão do requerente, reintegrando o trabalhador no emprego ou, ainda por exemplo,
                  restituindo antecipadamente um bem. 112

                     O novo Código de Processo Civil francês eliminou os equívocos que a antiga fórmula do “préjudice
                  au principal” havia feito surgir. Considera-se agora o art. 488, que diz que “l’ordonnance de référé n’a
                  pas au principal l’autorité de la chose jugée”.  A interpretação que se dá a esta regra é no sentido de
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                  que a tutela de cognição sumária não pode prejudicar a cognição exauriente do mérito ou não pode
                  vincular  o  juízo  final;  não  pode,  em  resumo,  prejudicar  a  decisão  da  causa.   A  tutela  antecipada,
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                  assim  como  o  référé  francês,  não  pode  causar  “préjudice  au  principal”,  ou  “n’a  pas  au  principal
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