Page 55 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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l’autorité de la chose jugée”.  Porém, não há contradição entre provisoriedade da decisão, em vista da
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                  cognição sumária que lhe é própria, e tutela antecipada ou realização antecipada do direito. A tutela é
                  provisória  apenas  e  tão  somente  porque  o  juiz,  ao  concedê-la,  não  afirma  que  o  direito  existe  e,
                  portanto, não  pode  prejudicar  a  decisão  sobre  o  direito  com  base  em  cognição  mais  aprofundada.  A
                  decisão que concede a tutela antecipada não pode produzir efeito capaz de impedir outro juízo sobre o
                  direito ou mesmo um efeito que, embora possa admitir decisão com sentido contrário, é incompatível
                  com a situação de direito substancial tutelanda.
                     A provisoriedade  da  tutela  antecipada  deve  ser  entendida  como  a  sua  incapacidade  de  definir  a
                  controvérsia,  por  absoluta  falta  de  idoneidade  para  a  declaração  ou,  em  outros  termos,  para  a
                  produção  de  coisa  julgada  material.  Mas a satisfatividade  da  tutela  sumária,  e  mesmo  a  eventual
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                  irreversibilidade dos seus efeitos fáticos, não é contraditória com a sua estrutura. Nada impede que
                  uma tutela que antecipe a realização do direito e produza efeitos fáticos irreversíveis seja – do ponto
                  de vista estrutural – provisória, ou melhor, incapaz de dar solução definitiva ao mérito.
                              o
                     O que o § 3  do art. 300 veda quando afirma que a tutela de urgência “não será concedida quando
                  houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão” é, além de prejuízo ao juízo final, a criação
                  de determinados efeitos jurídicos incompatíveis com a situação de direito substancial objeto de tutela
                  jurisdicional.  Mais  claramente,  o  que  se  proíbe  são  determinadas  constituições  provisórias.  Como  é
                  evidente,  não  há  como  decretar  provisoriamente  o  divórcio  ou  desconstituir  provisoriamente  o
                  casamento, embora seja adequado ordenar, também por exemplo, que um cônjuge se afaste do outro
                  em vista de decisão de separação de corpos. 117

                     Portanto,  ao  falar  em  perigo  de  irreversibilidade  dos  efeitos  da  decisão,  a  norma  proíbe,  por
                  exemplo, a antecipação da constituição de uma relação de filiação ou a antecipação da desconstituição
                  de  um  casamento.  É  certo  que  é  possível,  na  perspectiva  técnico-processual,  a  antecipação  da
                  constituição.  Porém,  também  não  há  dúvida  que  é  impossível  admitir,  de  forma  generalizada,  a
                  antecipação da constituição, já que é inconcebível a tutela antecipada nas ações relativas ao estado ou à
                  capacidade das pessoas.

                     Perceba-se  que  a  possibilidade  técnico-processual  da  antecipação  da  constituição  não  pode
                  eliminar a inviabilidade de constituição provisória diante de certas situações de direito substancial. Ou
                  seja,  a  impossibilidade  da  constituição  provisória  nada  tem  a  ver  com  a  técnica  processual.  Assim,
                  pouco importa se a sentença que desconstitui o casamento pode ser objeto de ação rescisória.

                     Como é obvio, todas as sentenças constitutivas ou declaratórias podem, em tese, ser objeto de ação
                  rescisória,  assim  como  nada  impede  a  antecipação  da  constituição  em  uma  perspectiva  apenas
                  processual. Mas o fato de uma sentença produtora de coisa julgada material poder ser objeto de ação
                  rescisória não significa, apenas por isto, que a tutela por ela concedida pode ser objeto de antecipação ou
                  de “execução provisória”.

                     Quando se sustenta que a antecipação da constituição está proibida em algumas hipóteses e não em
                  outras  obviamente  não  se  pensa  em  termos  processuais.  Apenas  nesta  última  perspectiva  alguém
                  poderia  ser  levado  a  equivocamente  concluir  que  a  tutela  antecipada  –  diante  da  sentença
                  (des)constitutiva – é sempre ou nunca possível. A conclusão seria no sentido do tudo ou nada.

                     Entretanto, como a tutela jurisdicional – e, especialmente, a tutela antecipada –, somente adquire
                  relevância  quando  compreendida  como  tutela  dos  direitos,  não  há  a  mínima  possibilidade  de
                  interpretar  a  regra  processual  que  fala  em  “perigo  de  irreversibilidade”  sem  visualizar  a  situação  de
                                                                                                o
                  direito substancial objeto de tutela jurisdicional. Melhor explicando: o fato de o art. 300, § 3 , do Código
                  de Processo Civil não ter aludido aos casos em que a constituição não pode ser antecipada não permite
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