Page 51 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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da legitimidade de um ato vale muito pouco – ou talvez nada –, quando se percebe que o juiz pode
                  julgar  improcedente  o  pedido  declaratório  ainda  que  já  tenha,  no  juízo  antecipatório,  “declarado
                  sumariamente”  algo  no  sentido  inverso.  Se  o  juiz  julga  improcedente  o  pedido  declaratório,  fica
                  definida  a  ilegitimidade  do  ato  que  na  “decisão  sumária”  foi  suposto  legítimo,  devendo  o  autor
                  responder como se a declaração sumária não houvesse sido pronunciada. Se é assim, e se o autor não
                  precisa de autorização judicial para, por exemplo, despedir um empregado, não há como vislumbrar
                  alguma  utilidade  na  “declaração  sumária”.  A  declaração  sumária  certamente  não  legitima  o  ato
                  praticado pelo autor quando a sentença é de improcedência. De modo que a despedida de alguém que
                  goza  de  estabilidade,  por  exemplo,  não  se  torna  legítima  apenas  por  se  fundar  numa  “declaração
                  sumária”. Nesse caso, proferindo-se sentença de improcedência, o autor responderá pelo ato ilegítimo
                  como se a declaração sumária não existisse.

                     Já no caso de tutela antecipada em ação constitutiva, seria possível dizer que não se pode antecipar
                  a “aquisição” de um direito ou mesmo o exercício de um direito que ainda deve ser constituído – pois
                  dependente de uma sentença constitutiva. Estaria sendo adotada a doutrina já difundida por Calvosa,
                  que não admite o uso do provvedimento d’urgenza para garantir o exercício de um direito que poderá
                  ser constituído na dependência do acolhimento da ação constitutiva ou da realização de determinadas
                  circunstâncias de fato que, no momento em que se pede a concessão da tutela de cognição sumária,
                  não foram ainda realizadas e nem é absolutamente certo que se realizarão.  Ademais, ao se pensar
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                  numa tutela urgente do direito potestativo à mudança jurídica, poderia surgir o óbice lembrado por
                  Satta,  no sentido de que a constituição provisória de um direito é inconcebível e contraditória.
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                     Sabe-se  que  a  sentença  constitutiva  produz  um  duplo  efeito.  Um  primeiro,  de  natureza
                  declaratória, sobre a existência do direito potestativo à modificação jurídica e, um segundo, que seria
                  propriamente constitutivo, capaz de operar tal modificação na esfera jurídico-patrimonial das partes. 94
                  Se o direito potestativo requer, para produzir efeitos, uma sentença constitutiva e, assim, uma atuação
                  jurisdicional  que  se  protrai  no  tempo,   não  há  dúvida  que  no  tempo  necessário  para  que  seja
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                  proferida a sentença constitutiva pode ocorrer dano.

                     Lembre-se que o art. 282 do Código de Processo Civil italiano afirma que “a sentença de primeiro
                  grau  é  provisoriamente  executiva  entre  as  partes”.   Durante  os  trabalhos  preparatórios  à  reforma
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                  processual  italiana,  ficou  clara  a  intenção  do  legislador  em  não  limitar  o  art.  282  à  sentença
                  condenatória.   A  questão  foi  debatida  no  Senado  italiano  e  a  proposta  do  senador  Acone,  que
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                  restringia  o  art.  282  à  sentença  de  condenação,  foi  rejeitada  sob  o  argumento  apresentado  pelo
                  senador  Lipari  de  que  numerosas  sentenças  constitutivas  poderiam  ser  beneficiadas  pela  norma. 98
                  Ora, aceitar que a sentença constitutiva “produza efeitos” antes do trânsito em julgado ou da formação
                  da  coisa  julgada  material  nada  mais  é  do  que  admitir  uma  “constituição  provisória”.  Trata-se  de
                  constituição  fundada  em  cognição  exauriente  mas  não  definitiva,   o  que,  para  efeito  de
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                  provisoriedade, é exatamente o mesmo que constituição baseada em cognição sumária.
                     Note-se  que,  embora  também  seja  impossível  antecipar  a  eficácia  constitutiva  (que  depende  de
                  coisa julgada material), uma constituição fundada em cognição sumária – uma cognição provisória –
                  produz modificações no direito material que podem ser implementadas mediante meios executivos que
                  não têm relação com o processo em que a tutela antecipada constitutiva é prestada, ou mediante atos de
                  execução  imprópria.  Realmente,  não  há  razão  para  impedir  uma  constituição  fundada  em  cognição
                  sumária, nem mesmo a alegação de que a sentença constitutiva produz efeitos ex nunc.

                     Pense-se, por exemplo, na tutela antecipada de fixação provisória de aluguel, admissível na ação
                  revisional  do  valor  da  locação.  Perceba-se  que  a  decisão  que  fixa  provisoriamente  o  aluguel  não
                  antecipa qualquer efeito executivo tendente a possibilitar a obtenção do novo aluguel. Com a fixação
                  provisória do novo aluguel não se objetiva abrir ao autor o caminho da execução para a obtenção de
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