Page 47 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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Ovídio Baptista da Silva não aceitou essa conclusão, tendo feita a seguinte advertência: “Será lícito
                  dizer que a tutela cautelar ‘nunca propiciou uma tutela preventiva’, se considerarmos, por exemplo, o
                  arresto  que  nos  acompanha  desde  o  direito  medieval;  e  o  sequestro  que  nos  que  foi  transmitido  pelo
                  direito romano?  Quem  negaria  o  caráter  cautelar  e  preventivo  desses  tradicionais  instrumentos  do
                  direito  moderno?  Quem  negaria  o  caráter  preventivo  das  cauções,  tanto  no  vastíssimo  campo  do
                  direito material, público e privado, quanto no domínio do direito processual? E, assim como haverá
                  cauções  satisfativas,  como  as  negociais,  incontáveis  serão  as  hipóteses  em  que  elas  assumem  a
                  natureza  cautelar,  e  tanto  umas  quanto  as  outras  preventivas.  Se  os  provvedimenti  cautelari  de
                  Calamandrei ‘nunca foram capazes de propiciar uma tutela preventiva’, não será justo atribuir a culpa
                  por  essa  incompetência  à  tutela  cautelar  autêntica  (tutela  de  ‘simples  segurança’,  portanto  não
                  satisfativa,  por  definição),  como  o  concebeu,  em  páginas  insuperáveis,  Pontes  de  Miranda,  cuja
                  doutrina sobre ‘pretensão à segurança’, porém, não mereceu menção, ainda que fosse para criticá-la,
                  na  obra  do  talentoso  jurista  paranaense,  não  obstante  seu  elogiável  acervo  bibliográfico  e  o
                  permanente diálogo mantido, ao longo da obra, com os autores italianos modernos que, com sabemos,
                  conservam-se religiosamente fiéis ao paradigma”. 83
                     Reafirma-se  o  ponto  de  vista  exposto.  O  arresto  e  o  sequestro  aceitam  a  violação  do  direito
                  (rigorosamente  a  pressupõe),  não  servindo  para  impedir  a  prática  de  ato  ilícito.  A  legitimidade  do
                  arresto é subordinada à existência de um dano anterior, cuja afirmação, aliás, é imprescindível para o
                  pedido de tutela ressarcitória. O arresto se destina a assegurar a frutuosidade da tutela ressarcitória.

                     E a situação é exatamente a mesma no caso de caução de dano infecto. Diz o art. 1.280 do Código
                  Civil: “O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a
                  reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente”. E o art.
                  1.281 do mesmo Código: “O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito de
                  fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra o
                  prejuízo eventual”.

                     Assim como a tutela cautelar pode ser requerida depois que o dano já foi praticado, igualmente
                  pode ser requerida para a hipótese da prática de dano ou de forma autônoma a uma eventual – porque
                  não se sabe se o dano ocorrerá – ação ressarcitória. E isto fica claro mediante a simples leitura das
                  normas  do  Código  Civil  acima  descritas.  A  caução  é  requerida  em  face  de  um  “prejuízo  eventual”.
                  Portanto, o arresto e a caução sempre são requeridos em vista do direito à tutela ressarcitória, que
                  nada mais é do que uma proteção ou tutela contra o dano. A caução de dano infecto e o arresto nada
                  têm de preventivos; especialmente quando desnudada a real função preventiva da tutela jurisdicional,
                  que é a de evitar a violação do direito. Compare-se o que se alcança com o arresto e o que se obtém com
                  a  tutela  inibitória  que  impede  a  violação  do  direito  ambiental.  É  indiscutível  que  a  primeira  tutela
                  assegura a tutela ressarcitória, enquanto a segunda impede a violação do direito, constituindo, esta
                  sim,  uma  tutela  preventiva,  desligada  de  qualquer  instrumentalidade  ou  referibilidade.  Enquanto  a
                  tutela cautelar assegura a tutela ressarcitória, a tutela inibitória independe de outra forma de tutela.

                     Aliás,  a  própria  lição  de  Pontes  de  Miranda  está  de  acordo  com  o  nosso  pensamento.  Quando
                  Pontes se refere à tutela cautelar como segurança-para-execução, pressupõetítulo einadimplemento,
                  isto  é,  violação  do  direito,  não  demonstrando  qualquer  preocupação  com  uma  tutela  jurisdicional
                  capaz de impedir a violação do direito.
                     Ou seja, o fato de a tutela cautelar não poder propiciar tutela preventiva não tem relação de causa
                  e  efeito  com  os  provvedimenti  d’urgenza  do  art.  700  do  Código  de  Processo  Civil  italiano  ou  com  a
                  doutrina de Calamandrei. A tutela cautelar não pode propiciar tutela preventiva exatamente porque
                  significa segurança de uma tutela que, em regra, é ressarcitória pelo equivalente ou do adimplemento
                  de obrigação de pagar dinheiro – tutelas estas que se implementam com a execução.  Como está claro,
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