Page 44 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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O conceito de ilícito civil, durante grande período de tempo, associou o ato contrário ao direito e o
                  dano.  Na  verdade,  embora  a  doutrina  percebesse  a  distinção  entre  ato  contrário  ao  direito  e  dano,
                  supunha que o dano era indispensável para o ilícito ter relevância no âmbito civil.

                     Assim,  foram  unificadas  as  categorias  da  ilicitude  e  da  responsabilidade  civil,  como  se  a  tutela
                  contra o ilícito apenas pudesse ser uma tutela de reparação do dano. A prática do ilícito, por ser a
                  prática  do  dano,  abria  oportunidade  à  tutela  ressarcitória  e,  como  o  dano  podia  ser  valorado  em
                  dinheiro, esta tutela era mais precisamente a tutela ressarcitória pelo equivalente ao valor do dano.
                  Portanto,  a  tutela  contra  o  ilícito  tinha  apenas  o  objetivo  de  outorgar  tutela  aos  bens  patrimoniais,
                  supondo-se  que  o  bem  jurídico  objeto  da  proteção  jurisdicional  era  uma  coisa  dotada  de  valor  de
                  troca.

                     Porém,  as  novas  situações  de  direito  material  evidenciaram  a  necessidade  de  se  tutelar  apenas
                  contra o ato contrário ao direito e, assim, contra o ilícito que prescinde da sua normal consequência –
                  o fato danoso.  Lembre-se que o Estado constitucional tem o dever de editar normas proibitivas ou
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                  impositivas de condutas para evitar danos aos direitos fundamentais. Para a efetiva atuação destas
                  normas é imprescindível a tutela jurisdicional capaz de inibir a violação da norma, bem como a tutela
                  de remoção do ilícito – dos seus efeitos concretos que se propagam no tempo.
                     A tutela contra o ilícito, neste último caso, não se volta contra um dano, mas apenas contra um ato
                  contrário  ao  direito  que  deixa  marcas  no  tempo,  constituindo,  por  assim  dizer,  uma  fonte  aberta  à
                  produção de danos. Percebe-se com nitidez, a partir daí, que o dano é uma consequência do ilícito e,
                  mais do que isto, uma consequência meramente eventual – não necessária – do ato contra o direito. 75
                  Realmente, imaginou-se por muito tempo que a lei, ao obrigar aquele que comete um dano a indenizar,
                  considerasse o dano um elemento essencial da fattispecie constitutiva do ilícito. Ocorre que o dano nem
                  mesmo  é  consequência  necessária  do  ato  ilícito;  é  apenas  um  requisito  para  o  surgimento  da
                  obrigação de ressarcir. De modo que a tutela dos direitos certamente não pode ficar restrita às tutelas
                  de ressarcimento e contra a probabilidade do dano (cautelar).

                     Não há porque supor que o interesse de agir na ação contra o ilícito seja dependente de um dano, a
                  menos que se deseje limitar, sem qualquer justificação plausível, a função do processo civil à tutela
                  contra o dano, como se o ato contrário ao direito continuasse a não lhe dizer respeito. Não obstante, aí
                  não haveria como explicar nem mesmo a tutela civil dos direitos difusos, para a qual é imprescindível
                  a  atuação  do  desejo  das  normas  de  proteção  dos  direitos  fundamentais  e,  desta  forma,  a  tutela  de
                  inibição do ilícito e a tutela de remoção dos seus efeitos concretos.

                     De modo que, se a distinção entre ilícito e dano sempre foi identificável na perspectiva lógica, hoje
                  ela é imprescindível para a construção de uma teoria capaz de dar conta da necessidade de tutela das
                  novas situações de direito substancial.

                     3.2. Tutelas contra o ilícito: tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito

                     A tutela inibitória tem como pressuposto a probabilidade da prática de ato contrário ao direito –
                  não a probabilidade de dano.  Mas não é importante apenas sublinhar que a tutela inibitória requer
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                  apenas alegação de probabilidade de violação de direito. É também necessário evidenciar que o dano
                  e a culpa não podem ser objeto da cognição do juiz, da investigação probatória ou da discussão das
                  partes na ação endereçada à obtenção desta tutela.

                     O  juiz  não  pode  pensar  em  negar  a  tutela  inibitória  por  falta  de  probabilidade  de  dano,  como
                  também não pode exigir do autor a sua demonstração. Do mesmo modo, o réu não pode se defender
                  alegando a inexistência de probabilidade de dano. Isso não significa que a probabilidade de dano não
                  possa ser alegada pelo autor. Lembre-se que o dano, por muitas vezes ocorrer no mesmo instante do
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