Page 46 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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produz efeitos concretos que, mantendo-se no tempo, constituem exatamente o reflexo da conduta
proibida pela norma de proteção do direito.
É a hipótese, por exemplo, do despejo de lixo tóxico em local não autorizado pela legislação
ambiental. Ilícito é despejar o lixo tóxico; o dano que pode ser produzido diante deste despejo é objeto
de tutela ressarcitória. A permanência do lixo tóxico em local inadequado é o efeito concreto derivado
da ação ilícita, constituindo-se em fonte aberta à produção do dano. Este efeito concreto, por ser
derivado de uma ação passada, não pode ser inibido, mas apenas removido. Note-se, na mesma linha,
que expor à venda produto com composição nociva à saúde também não constitui dano, mas conduta
que abre oportunidade à produção de dano. O produto deve ser apreendido exatamente para que a
ilícita exposição à venda – da qual podem derivar danos – seja removida.
A tutela de remoção do ilícito é uma resposta ao direito material ou, mais precisamente, à
necessidade de atuação do desejo de proteção da própria norma violada pela ação ilícita. Assim como
há direito de inibir o ilícito, há evidente direito material de remover os efeitos concretos derivados do
ilícito. Na verdade, a possibilidade de se obter tutela posterior à violação da norma e
independentemente da existência de dano tem relação com o próprio conceito de norma, uma vez
que, se a única sanção contra o ilícito fosse a obrigação de ressarcir em virtude do dano, a própria
razão de ser da norma jurídica estaria comprometida.
Além disto, a tutela de remoção do ilícito, do mesmo modo que a tutela inibitória, representa
espécie de tutela específica, obtenível a partir de ação construída com base nas técnicas dos arts. 536,
do CPC, e 84, do CDC, conforme a ação se destine a tutelar direito individual ou direito difuso ou
coletivo. 79
3.3. Tutela inibitória e tutela cautelar
Repita-se que o autor, para obter tutela inibitória, não precisa demonstrar probabilidade de dano.
É certo que, em razão de o ato contra o direito e o fato danoso poderem ocorrer no mesmo instante, a
tutela inibitória frequentemente pode impedir o próprio dano. Porém, importa frisar que a
probabilidade do dano não é exigência para a concessão da inibitória; basta a ameaça do ilícito.
A tutela inibitória é preventiva, pois é capaz de impedir a violação do direito. A tutela cautelar, em
uma das suas principais funções, destina-se a assegurar a efetividade da tutela repressiva, isto é, da
tutela do direito devida em virtude da prática – ou para a hipótese da prática – de um dano, do
descumprimento de um dever ou do inadimplemento de uma prestação. Assim, por exemplo, após a
prestação ter sido inadimplida o arresto pode ser requerido para assegurar a efetividade da tutela do
direito de crédito. Para a hipótese da prática de dano, pode ser requerida a caução de dano infecto
para assegurar a efetividade da tutela ressarcitória.
Embora nos dois últimos exemplos haja um perigo de dano, esse recai sobre a efetividade da tutela
que responde ao autor por uma violação de direito ou por um dano. O arresto e a caução de dano
infecto – tutelas genuinamente cautelares – não se dirigem a impedir o dano ou a violação do direito,
mas a assegurar a efetividade da tutela contra o dano ou a violação do direito. 80
A tutela cautelar não foi idealizada para impedir a violação do direito. Isto não apenas pelo
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motivo de que, na época em que a tutela cautelar foi concebida, não se admitia tutela jurisdicional
efetivamente preventiva e o ilícito civil era associado ao fato danoso, mas igualmente em virtude de
que as técnicas processuais idealizadas para a tutela dos direitos, no processo civil clássico, não foram
pensadas para permitir a tutela de inibição do ilícito. Na verdade, a tutela cautelar não podia ser
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pensada, em vista do ambiente cultural em que foi moldada, como tutela preventiva – como prova a
estrutura do processo civil clássico, inclusive o arresto cautelar.