Page 53 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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Por outro lado, os alemães já deixaram claro que o fim do arresto nada tem a ver com o objetivo da
antecipação do pagamento de soma em dinheiro, demonstrando que o fim da antecipação não é o de
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acautelar o direito de crédito, mas o de proteger o direito que somente através da realização do direito
de crédito pode ser adequadamente tutelado. A antecipação do pagamento de soma em dinheiro não
objetiva assegurar a tutela do direito de crédito; essa é a função do arresto cautelar. A tutela
antecipada objetiva suprir uma necessidade imediata, uma vez que o autor não pode esperar – sem
perigo de dano – a realização do direito de crédito.
Na antecipação, ao contrário do que ocorre no arresto, parte-se da premissa certa de que a espera
produzirá prejuízos, não sendo suficiente, por causa disto, a mera segurança do direito de crédito. A
tutela antecipada de soma em dinheiro, quando fundada no art. 300, é medida idônea para impedir
prejuízo a um direito conexo ao direito de crédito, enquanto o arresto é destinado a assegurar a
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viabilidade da sua realização. 105
A antecipação fundada em perigo de dano a um direito conexo ao direito de crédito não pode ser
suspensa após a penhora não só porque o caso não é de necessidade de segurança do direito de
crédito, mas principalmente porque na hipótese de antecipação a espera pode trazer prejuízos ao
direito que é conexo ao direito de crédito.
Isso igualmente permite explicar que o perigo de dano não é suficiente para atribuir natureza
cautelar à tutela satisfativa sumária. Antônio Cláudio da Costa Machado – assim como alguns outros
processualistas – ingenuamente supõe que toda tutela baseada em perigo de dano é “cautelar”, como
se o perigo fosse nota exclusiva desta tutela. Costa Machado diz expressamente que “o periculum in
mora é característica exclusiva da cautelaridade”. Na verdade, quem pensa assim tem que atribuir
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natureza cautelar à execução da sentença baseada em periculum in mora – que foi admitida por
cinquenta anos na Itália. Porém, há forma bem mais fácil de demonstrar o erro de raciocínio daqueles
que pensam que a tutela antecipada baseada em periculum é cautelar. Uma tutela somente pode ser
dita cautelar quando é incapaz de realizar o direito que é postulado através da ação. Ora, como é
absolutamente lógico, ninguém pode acautelar o que já foi realizado.
Quando se pensa no procedimento monitório italiano é também irracional admitir a cautelaridade
da execução provisória do decreto ingiuntivo, ainda quando baseada na segunda parte do art. 642, do
CPC italiano, ou seja, em perigo de grave “pregiudizio nel ritardo”. Ora, se a execução provisória
fundada na particularidade da prova também surge da necessidade de evitar que a demora do
processo possa trazer dano marginal ao autor, é equivocado pensar que, justamente quando se torna
mais evidente a necessidade de antecipar a execução, esta assume as vestes de tutela cautelar, como se
o fato de se outorgar ao juiz o poder para apreciar a existência do “periculum in mora” pudesse ser capaz
de transmudar uma tutela que realiza um direito com base em cognição não definitiva em tutela de
simples segurança. Em outras palavras, a execução provisória do decreto ingiuntivo, ainda que
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fundada em perigo, é tão execução provisória quanto aquela que se dá, por exemplo, quando o
“credito è fondato su cambiale, assegno bancario, assegno circolare, certificato di liquidazione di
borsa, o su atto ricevuto da notaio o da altro pubblico ufficiale autorizzato” (art. 642, primeira parte,
do CPC italiano).
Frise-se que o art. 700, do CPC italiano também abre ensejo à tutela antecipada de pagamento de
soma em dinheiro. Essa tutela difere apenas no que diz respeito à cognição da execução provisória
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(completa) de uma sentença que condena ao pagamento de soma. Isso quer dizer que o motivo que
impede que se atribua caráter cautelar à execução provisória da sentença não pode deixar de estar
presente quando se pensa na natureza da tutela sumária que implica a realização antecipada do
direito do credor.