Page 37 - LIVRO - A VIDA TEM DESSAS COISAS
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NOSTALGIA
Depois do almoço de domingo deitei para cochilar, antes que o sono
chegasse, peguei um livro de crônicas e comecei a ler. Dormi e acordei com
um gosto de saudade na língua da alma.
Lembrei do tempo quando eu era criança de uns dez ou talvez doze
anos quando ia passar férias escolares na casa de uma Vó postiça que Deus
me deu. Ganhei essa Vó por causa dos meus primos com quem fui criado
como irmãos postiços.
Eram trinta dias de plena alegria. Nada de tristeza. Nenhum trabalho.
Banho de praia de manhã e de tarde. Futebol no campinho de areia até não ter
mais força de correr e de rir. Futebol de botão quando anoitecia e caminhadas
de casa em casa a procura de amigos para vadiar. Dormia quando o corpo não
aguentava mais e acordava cedo pra começar tudo de novo.
Meus trinta dias eram como a noite da Gata Borralheira que ganhou de
presente da fada madrinha vestido, carruagem com cocheiro, sapatinho de
cristal e muita beleza, mas só valia até à meia noite. Meia noite em diante tudo
se desfazia. Acho que por isso que eu usufruía de tudo tão afoitamente. Sabia
que ia acabar.
Depois daqueles dias de céu tinha que voltar para os trabalhos (os
estudos eram uma maravilha). O trabalho era dureza. Minha alma impregnada
de saudade me nutria nos momentos infelizes até que chegasse o outro
período de férias.
O que me salvava eram as boas lembranças da casa da Vó postiça.