Page 32 - LIVRO - A VIDA TEM DESSAS COISAS
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A INTIMIDADE DOS MORTOS DEFLORADA
Sofro de um grave mal. Confesso. Fico tentado a corrigir toda frase
escrita ou falada de modo errado que traz sofreguidão ao nosso belo
Português. Pior é que ultimamente meu quadro tem evoluído para pior. Agora
dei para querer corrigir quem fala com múltiplas intenções. Percebam amigos
que minha loucura está se agravando.
O efeito colateral deste mal é que como diz o ditado “quem fala o que
quer ouve o que não quer” e, assim, corro o risco de ser internado num
manicômio como doido do corretor ortográfico. Mas enquanto não me
prenderem numa camisa de força vou aprontando das minhas e esperando
não ouvir o que não quero.
Porém, meus amigos, nesses últimos dias a tentação tem sido demais
pra mim e não tenho conseguido conter minha ânsia depois do que um
entrevistado fez com um casal que, talvez em seu leito último (se é que os
mortos sabem qualquer coisa do mundo dos vivos) tenha se remexido de
vergonha diante de tamanha indiscrição.
O casal era ilustre. Artistas plásticos e poetas. Moraram anos a fio num
tradicional bairro de Fortaleza e de lá tiravam toda inspiração para suas obras.
Quando morreram, diga-se de passagem, em boa velhice, foram agraciados
pelos moradores do bairro com uma casa-museu para expor seus objetos de
produção artística.
Em entrevista, uma pessoa que talvez fosse o curador da casa-museu
disse: ___ num primeiro momento abriremos a parte da frente com as coisas
simples e, só depois, abriremos a parte íntima do casal. O repórter riu-se da
frase, mas não teve o cuidado de editar o material.
Amigos julguem se minha loucura tem ou não razão.
Deixem a parte íntima dos mortos em paz. Por favor!