Page 35 - LIVRO - A VIDA TEM DESSAS COISAS
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A VINGANÇA DOS PÁSSAROS






                         Árvore  é  casa  de  pássaros.  E  na  casa  da  gente  a  gente  se  comporta

                  como  quer.  Eu  mesmo  quando  em  casa,  na  minha  privacidade,  ando  de

                  cuecas (não tenho filhas), tomo banho com a porta do banheiro aberta, como

                  de boca aberta e na hora que quero. Não. Não sou um nojento mal educado.

                  Faço tudo isso pelo prazer de estar na intimidade do que é meu.

                         Pois bem. Eu disse que árvore é casa de passarinho. Ali ele faz o que

                  quer. Eles pousam durante a noite para dormir. Chegam de vez em quando

                  para descansar as asas cansadas de vadiar por aí dando uns bordejos debaixo

                  do sol. Fazem cocô. Cantam, enfim...

                         Mas deixemos de enrolar com essa sentença repetida de árvore é casa

                  de pássaro e vamos aos fatos.

                         Sempre  há  festas  na  praça  matriz  de  minha  cidade.  Ali  também  tem

                  muitas  árvores,  inclusive  a  carnaubeira  que  é  o  símbolo  de  minha  cidade.

                  Onde tem árvore tem pássaro. Nas festas solta-se fogos e a música é alta. Os

                  pobres dos pássaros em dia de festa amargam noite acordados e amanhecem
                  ressabiados. Putos da vida.


                         Numa das festas tive a curiosidade de olhar para cima, para as folhas de
                  uma frondosa mangueira exatamente na hora em que estouravam fogos. Os

                  pássaros saíram em revoada e a população achando aquele desespero muito

                  bonito. Todos alegres menos os coitadinhos que estavam em suas casas.

                         Não se faz isso na casa dos outros.

                         Os pássaros não deixaram por menos. Guardaram a vingança e num

                  certo dia em que resolvi me sentar em um banco debaixo da casa de uns deles

                  para lê meus livros de crônicas recebi uma rajada de cocô.

                         Era direito deles. Na nossa casa fazemos o que queremos. O que nos

                  apraz.
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