Page 21 - Revista PSIQUE Ciência e Vida
P. 21
20/21
vertiginosa velocidade, ainda que muitas vezes períodos sensíveis o cérebro é mais sujeito
descobertas importantes foram aparentemente à estimulação do meio ambiente e neles a
feitas pelo acaso, como a descoberta da penicilina, educação tem enorme influência: só por
em 1928, feita pelo médico Alexander Fleming; esse motivo já se pode ter ideia da imensa
a insulina em 1889, por Oscar Minkowski importância da educação na vida das crianças.
e Joseph von Mehring; o raio X em 1895, E falo aqui da educação vivenciada, aquela que
por Wilhelm Conrad Röntgen, entre outros envolve também as brincadeiras infantis.
exemplos. Objetivavam esses cientistas, em suas É claro que as pessoas podem aprender
pesquisas, descobrir outras coisas, mas foi o durante toda a vida, mas
seu poder de observação bem desenvolvido que a facilidade oferecida
os fez distinguirem entre material inútil e uma pela plasticidade cerebral Não se aceita
descoberta grandiosa para a humanidade. é especialmente maior mais que a
A aprendizagem, seja qual for, requer nos três primeiros anos criança será
amadurecimento biológico, estimulação de vida. Assim, um aquilo que
neuronal e formação de sinapses, num processo meio ambiente rico de sua genética
contínuo que depende em grande parte estímulos variados, determinou,
das trocas do material genético com o meio ofertados paulatinamente,
ambiente. Não se aceita mais que a criança será é o mais recomendado: é mas se sabe que
aquilo que sua genética determinou, mas se sabe importante que a criança será aquilo que
que será aquilo que a estimulação ambiental fará tenha tempo para explorar a estimulação
com essa genética. as novidades, brincando, ambiental
O cérebro nos deixou enquanto espécie jogando, socializando- fará com essa
humana, e ao longo dos milênios, alcançar o se. E depois tenha um
estágio de grande crescimento científico que hoje tempo adequado para genética
vivemos. E nos permite como pessoas pensantes incorporá-las aos seus
a suplantar nossas condições de nascença, pois é conhecimentos anteriores. Ou seja: que enriqueça
através de seu incrível potencial que ampliamos e amplie suas sinapses cerebrais, que ficarão cada
recursos que nos possibilitam ultrapassar etapas vez mais aptas a receber novos estímulos e os
sequentes de desenvolvimento. Além disso, transformar em novas aprendizagens.
coloca parâmetros determina o que pode ser Isso não nos leva a acreditar, muito pelo
aprendido, quando e com que velocidade. E ai contrário, que seja útil estimular de forma
entra a educação! exagerada as crianças, pois há um limite que
O conhecimento de como nosso cérebro esbarra nas etapas do neurodesenvolvimento
aprende é o objetivo de muitos cientistas e normal, que é sequente não pula etapas.
educadores, já que a neurociência é a ciência do Os exageros não apenas são inúteis como
cérebro e a educação pode ser compreendida contraindicados, pois, os aspectos afetivos
como a ciência da aprendizagem, o que emocionais também são importantes na
correlaciona ambas de modo incontestável. aprendizagem. E estes acabam sempre
Não é novidade a investigação da por serem prejudicados quando a criança
neurociência em contextos educativos e, embora é submetida desnecessariamente a uma
esta ainda não traga todas as respostas para os estimulação exagerada e fora da idade adequada.
educadores, já revelou descobertas importantes O respeito às etapas do desenvolvimento
sobre a biologia quanto aos processos cognitivos neurológico e uma estimulação adequada a
envolvidos na aprendizagem. essas fases levam a uma verdadeira vantagem
Tais conhecimentos induziram ao conceito de na corrida pelo sucesso na aprendizagem não
períodos críticos e sensíveis do desenvolvimento, apenas nos primeiros anos, mas nos anos
quando as mudanças estruturais do cérebro, escolares, pois a criança desenvolve e consolida
incluindo a sinaptogênese e a poda neuronal, amplamente as bases cognitivas que a apoiarão
constituem fatos relevantes na educação. intelectualmente e as afetivas, que multiplicarão
Há períodos críticos e períodos sensíveis no as oportunidades de realmente aprender e
processo de amadurecimento cerebral: assim, desenvolver novos conhecimentos.
sabe-se que em qualquer lugar do mundo, por Brincando se aprende na primeira infância.
volta dos 12 aos 16 meses, a grande maioria Letras e números podem até entrar na
das crianças já anda. Sabemos também que brincadeira, sem qualquer formalidade ou
o período em que há maior facilidade de exigência pedagógica. Criança forma a base de
aprender uma segunda língua como se fosse seu aprendizado tendo o cérebro respeitado no
a língua mãe vai até os 7 anos. Ou seja, nos seu desenvolvimento. •
Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuro-
aprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp
(gestão 2005/O7). É autora de artigos em publicações nacionais e internacionais. Coordena
curso de especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uolcom.br
PSIǪUE Março 2019 - Ano 12