Page 27 - A CAPITAL FEDERAL
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Lola – Aqui tem você a minha morada. ( Dá-lhe um cartão.)
                  Figueiredo –  Aceito com muito prazer, mas olhe que não vou sozinho...
                  Lola – Vai com quem quiseres.
                  Figueiredo – Levo comigo uma trigueira que estou lançando, e que precisa justamente de
                         ocasiões como essa para civilizar-se.
                  Lola – Aquela casa é tua, meu velho! (Vendo Gouveia que entra do outro lado, cabisbaixo,
                         e não repara nela.) Olha quem vem ali!
                  Figueiredo – Quem?
                  Lola – Aquele é que é o Gouveia.
                  Figueiredo – Ah! é aquele?.... Conheço-o de vista... É um moço do comércio.
                  Lola – Foi. Hoje não faz outra coisa senão jogar. Mas como está cabisbaixo e pensativo!
                         Querem ver que a primeira dúzia...
                  Figueiredo – Adeus! Deixo-te com ele. Até sábado de aleluia!
                  Lola – Não faltes, meu velho! (Apertam-se as mãos.)
                  Figueiredo (À parte.) – Dir-se-ia que andamos juntos na escola! ( Sai.)


                                                       -   Cena IV –
                                                       Lola, Gouveia

                  Gouveia (Descendo cabisbaixo ao proscênio.)  –Há três dias dá a segunda dúzia...
                         Consultei hoje a escrita: pedi em noventa e cinco  bolas  o  que  tinha ganho em perto de mil e
                         duzentas! Decididamente aquele famoso padre do Pará tinha razão quando dizia que não se deve
                         apontar a roleta nem com o dedo, porque o próprio dedo pode lá ficar!
                  Lola (À parte, do outro lado.) – Fala sozinho!
                  Gouveia –  Hei de achar a forra! O diabo é que fui obrigado a pôr as jóias no prego. Venho
                         neste instante da casa do judeu. É sempre pelas jóias que começa a esbodegação...
                  Lola  (À parte.) – Continua... Aquilo é coisa...
                  Gouveia – Com certeza vão dar por falta dos meus brilhantes... Pobre Quinota! Se ela
                         soubesse! Ela, tão simples, tão ingênua, tão sincera!
                  Lola  (Aproximando-se inopinadamente) – Tu estás maluco?
                  Gouveia – Heim?... Eu... Ah! és tu? Como vais?...
                  Lola – Estavas falando sozinho?
                  Gouveia – Fazendo uns cálculos...
                  Lola – Aconteceu-te alguma coisa desagradável? Tu não estás no teu natural!
                  Gouveia – Sim... aconteceu-me... fui roubado... um gatuno levou as minhas jóias... e eu
                         estava aqui planejando deixar hoje a primeira dúzia e atacar dois esguichos, o
                         esguicho de 7 a 12 e  o esguicho de 25 a 30, a dobrar, a dobrar!
                  Lola  (Num ímpeto.) – A primeira dúzia falhou?
                  Gouveia – Falhou... ( A gesto de Lola.) Mas descansa: eu já a tinha abandonado antes que
                         ela me abandonasse.
                  Lola – Tens então continuado a ganhar?
                  Gouveia – Escandalosamente!
                  Lola – Ainda bem, porque sábado de aleluia faço anos...
                  Gouveia – É verdade... fazes anos no sábado de aleluia...
                  Lola – É preciso gastas muito dinheiro! Tenho te procurado um milhão de vezes! No hotel
                         dizem-me que lá nem apareces!
                  Gouveia – Exageração.
                  Lola – E outra coisa: quem era uma família com quem estavas uma noite destas no S.
                         Pedro? Uma família da roça?
                  Gouveia – Quem te disse?
                  Lola –Disseram-me. Que gente é essa?
                  Gouveia – Uma família muito respeitável que eu conheci quando andei por Minas.
                  Lola – Gouveia, Gouveia, tu enganas-me!
                  Gouveia –  Eu? Oh! Lola! Nunca te autorizei a duvidares de mim!...
                  Lola – Nessa família há uma moça que... Oh! o meu coração adivinha uma desgraça, e ...
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