Page 51 - A CAPITAL FEDERAL
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Figueiredo – Por quê, rapariga?
                   Benvinda – O sinhô co’essa mania de querê me lançá é um cacete insuportave! Tá sempre
                         me dando lição e raiando comigo! Pra isso eu não percisava saí de casa de sinhô
                         Eusébio!
                  Figueiredo – Mas é para o teu bem que eu...
                  Benvinda – Quais pera meu bem nem pera nada! Hei de encontrá quem me queira mesmo
                         falando cumo se fala na roça!
                  Figueiredo – Estás bem aviada!
                  Benvinda – Eu mesmo posso me lançá sem percisar do sinhô!
                  Figueiredo – Oh! Mulher, olha que tu não tens nenhuma experiência do mundo. És uma
                         tola... uma ignorantona... não sabes o que é a Capital Federal!
                  Benvinda –  Como o sinhô se engana! Eu já tou meia capitalista-federalista!
                  Figueiredo – Bom; Tua alma, tua palma! Estou com a minha consciência tranqüila. Mas vê
                         lá: se algum dia precisares de mim, procura-me.
                  Benvinda – Merci! (Vai-se afastando.)
                  Figueiredo – Adeus, Fredegonda!
                  Benvinda (Parando.) – Que Fredegonda! Assim é que o sinhô me lançô! Me deu logo um
                         nome tão feio que toda a gente se ri quando ouve ele!
                  Figueiredo – É porque não sabem a história! Fredegonda foi uma rainha... era casada com
                         Chilperico...
                  Benvinda – Pois eu por minha desgraça não sou casada com seu Borge. Ó revoá. (Afasta-
                         se.)
                  Figueiredo (Só.) – No fundo, estou satisfeito, porque decididamente não havia meio de
                         fazer dela alguma coisa... Parece que vai chover... mas já agora vou assistir à
                         corrida. (Afasta-se.)


                                                       -   Cena III –
                                     Lourenço, Lemos, Guedes, depois o Freqüentador do Belódromo
                  Lourenço – Bom! Venham as pules. (Lemos e Guedes entregam as pules, que ele
                         guarda.)
                  Lemos – A mala não transpirou. Félix Faure é o favorito.
                  Guedes – Queira Deus que o S’il-vous-plaît não dê com a língua nos dentes!
                  O Freqüentador (Voltando.) – Comprei no 25... Mas agora me lembro... somando o
                         número da sepultura dá a soma de 12. 5 e 2, 7; e 5, 12. Ora 12 e 12 são 24.
                  Lemos – 24 é o tal Colibri. Não deite o seu dinheiro fora!
                  O Freqüentador – Aceito o conselho... Já cá tenho o 25... e não pode falhar! O diabo é que
                         parece que vai chover. O tempo está muito entroviscado! (Afasta-se.)
                  Lourenço (Que tem estado a calcular.) – Se o Félix Faure é o favorito, o Menelik não pode
                         dar menos de sete mil-réis.
                  Guedes – Para cima!
                  Lourenço – Separemo-nos. Creio que a diretoria já nos traz de olho... No fim da corrida
                         esperá-los-ei no lugar do costume para a divisão dos lúcaros. Até logo!
                  Lemos e Guedes – Até logo. (Afastam-se. Benvinda volta passeando.)


                                                       -   Cena IV –
                                                     Lourenço e Benvinda

                  Lourenço (Consigo.)  – Estes malandretes ganham pela certa... não arriscam um nicolau...
                         (Vendo Benvinda.) Não me engano: é a celeste Aída do  Sábado de aleluia...  Reconhecerá ela na
                         minha fisolostria o cocheiro da Lola? Vejamos! (Passa e acotovela Benvinda.) – Adeus, coração dos
                         outros!
                  Benvinda -  Vá passando seu caminho e não bula ca gente!
                  Lourenço – Tão zangada, meu Deus!
                  Benvinda – Que deseja o sinhô?
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