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falamos é, portanto, o que nos confere identidade. E a identidade é uma exigência do nosso
mundo.
Escrevo sobre isso porque tenho tentado escapar da prisão da identidade. Ou da prisão de
uma identidade imutável como a impressão digital do meu polegar. E esbarro no
funcionamento do mundo. Há um ano e meio vivo sem emprego. Por opção. A pergunta que
mais escuto é: “Por que você deixou de ser repórter?”. Respondo que nunca passou pela
minha cabeça deixar de ser repórter. Eu apenas deixei de ter emprego, o que é muito
diferente. “Então você está frilando?” Não exatamente. Não foi apenas uma troca de
cadastro, de pessoa física para jurídica. Foi uma mudança mais profunda.
Explico que, a partir de uma investigação sobre a morte, compreendi que precisava me
reapropriar do meu tempo e, desde então, venho fazendo uma mudança radical no meu jeito
de viver. “Mas então você nunca mais vai ter emprego?” Sei lá. Como saber? Não tenho
nenhum interesse em assinar qualquer declaração de intenções em três vias. “Mas você
agora trabalha mais do que antes!”, é o comentário seguinte. Sim, mas eu não mudei para
trabalhar menos, pelo contrário. Eu adoro trabalhar e não me sinto oprimida pelo trabalho,
porque, para mim, trabalhar é criar. Eu mudei para experimentar outras possibilidades de
me expressar e de viver, o que para mim é quase a mesma coisa. “Mas você não separa
trabalho da vida pessoal?” Não. Trabalho é bem pessoal para mim. “Mas você trabalha mais
e ganha menos?” Sim. “Hum.”
Eu faço várias coisas que quero fazer, tento explicar. “Então você se tornou
documentarista?”, é a próxima pergunta, quando descobrem que estou no meu terceiro
documentário. Às vezes, mas é mais como uma experiência de contar histórias do que como
uma profissão. “Mas por que você decidiu parar de contar histórias reais para escrever
ficção?”, é o questionamento mais recente, desde o lançamento do meu primeiro romance.
Eu não deixei de contar histórias reais, apenas senti necessidade de escrever ficção. É mais
uma voz na tentativa de dar conta do que me escapa (e continuará escapando) — e não
minha única voz. “Mas então agora você é ficcionista?” Sim e não. Sou várias coisas ao
mesmo tempo.
“Hum.”
Estes são diálogos frequentes no meu cotidiano. A partir deles — e da necessidade
persistente do mundo de me encaixotar em alguma identidade fixa e fácil de compreender
—, comecei a me indagar sobre isso. Afinal, o que as pessoas perguntam é: “Quem você é?”.
E antes era fácil dizer: “Sou jornalista”. Só que isso dizia muito pouco sobre mim, já que ser
jornalista é só o começo da resposta sobre quem sou eu. Assim como ser pedreiro, médico,
funcionário público, empregada doméstica ou CEO é o começo superficial de uma resposta
sobre quem é qualquer pessoa. Mas ter uma resposta simples para algo complexo deixava
todo mundo satisfeito. Agora, minhas respostas sobre quem sou eu não satisfazem ninguém.