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a formaram, além de descobrir nessas histórias, supostamente jacentes, ‘o modo como e até
        onde seria possível pensar diferentemente’”.

           A resposta de Foucault para a plateia de Belo Horizonte foi: “Quem sou eu? Um leitor”.
          Quando me perguntam sobre o lugar de onde eu falo, tenho dito nos últimos tempos:
        “Quem sou eu? Sou uma escutadeira”. E agora posso até citar Foucault para a resposta ficar

        mais chique.
          Na semana passada, participei de um debate na Jornada Nacional de Literatura, em Passo

        Fundo (RS), com Edney Silvestre e Nick Monfort. Terminava minha apresentação dizendo: “A
        vida é um traçado irregular de memórias no tempo. Quero que, como inventário do vivido,
        meu corpo tenha as marcas de todas as histórias que fizeram de mim o que sou. E, se meus

        netos e bisnetos forem me contar, espero que jamais cheguem a qualquer conclusão fechada
        sobre a minha identidade. Esta seria a maior prova de que vivi”.

          Depois, a certa altura do debate, repeti que minha identidade era fluida. E que hoje estava
        mais interessada em me desinventar do que em me inventar, em me desidentificar do que
        em me identificar. À noite, quando me preparava para deixar a universidade, fui cercada por

        um grupo de garotas: “Obrigada pelo que você disse sobre a identidade”.
          Percebi que, no mundo líquido em que a internet nos lançou, há algo sobre a compreensão

        do que é identidade que começa a mudar. É neste mundo novo que os mais jovens tentam
        dar passos de astronauta, mas a gravidade da antiga ordem os prende no chão. Ainda que
        por razões e tempos diferentes, eu e aquelas garotas, assim como muitos outros por aí, nos

        conectamos nas esquinas voláteis de um mundo que ainda é determinado por padrões de
        cimento.

          Ao pegar o avião que me levaria de volta para São Paulo, olhei para a carteira de identidade
        descolada, parcialmente apagada e um tanto esfarrapada que apresentei no embarque. E
        finalmente entendi por que não consigo me convencer a substituí-la por uma nova. Enquanto

        me permitirem, é com ela que vou embarcar. Porque é nela que me reconheço. Quando me
        obrigarem  a  trocá-la,  vou  obedecer.  Mas  as  autoridades  jamais  saberão  que  é  em  uma

        identidade que se desprende de si que reside minha verdade.
                                                                                                 29 de agosto de 2011

        Quem tem medo de








        Dilma Dinamite?
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