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mas também aos nossos. Compartilho a angústia dessas mulheres do Xingu, ao testemunhar
a imposição de Belo Monte e o início do rastro de destruição que ela já começou a provocar.
Gostaria que a primeira mulher presidente botasse em prática no Brasil o que disse nos
Estados Unidos: “Quem gera vida não aceita a violência como meio de solução de conflitos”.
Não por ser mulher, mas porque dignidade não depende de gênero.
26 de setembro de 2011
17 Edição da Newsweek de 26 de setembro de 2011.
18 Dilma Rousseff foi a primeira mulher a abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 21 de setembro de 2011.
19 A frase foi dita por Tina Brown em entrevista à coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo de 19 de setembro de 2011.
A vida dos mortos
Sempre que posso, faço uma visita aos meus mortos no dia de finados. (Acho finados, aliás,
uma daquelas palavras perfeitas, que dispensariam verbos e objetos, ela mesma uma
sentença inteira.) Sei que possivelmente os mortos não estão em lugar algum além da nossa
memória, mas, talvez por eu ter nascido bem antes da internet e da existência virtual, preciso
apalpar os túmulos com as mãos para senti-los mais de perto.
A maioria dos meus mortos mora no cemitério rural de um povoado cada vez mais
despovoado no interior do município gaúcho de Ijuí, chamado Barreiro, onde há mais gente
estendida debaixo da terra do que saracoteando sobre ela. É uma paisagem com as cores da
Toscana que nessa época está coberta pelo dourado dos trigais sob um céu azul e um vento
de primavera que bota as folhas secas a dançar como na cena clássica do Era uma vez no
Oeste, de Sergio Leone. (Quando tenho a sorte de visitar a Toscana, digo por lá que a
paisagem tem as cores do Barreiro, e os brasileiros ficam me olhando com ironia e os
italianos com descrença, mas assim é que é.) Gosto do silêncio dos cemitérios e, em todas as
minhas viagens pelo mundo, visito os mortos para compreender como vivem os vivos
naquela geografia virgem para os meus sentidos. Mas, para mim, não há nenhum como o do
Barreiro, porque ele é habitado por algumas das histórias que fazem de mim o que sou.
Talvez a explicação para minha alegre visita aos mortos esteja na minha tia Nair. Finados,
para ela e para todas as donas de casa da zona rural, era um dia de muito trabalho e de muita
festa. Mal chegávamos e ela se punha a correr porta afora esfregando as mãos no avental e
uma na outra, com um sorriso de orelha a orelha. Era na sua casa que os parentes vinham