Page 201 - C:\Users\Leal Promoções\Desktop\books\robertjoin@gmail.com\thzb\mzoq
P. 201
com um sapato estiloso, em uma nova armadilha. E, em vez de uma frase meio marqueteira,
meio lugar-comum, que se diz aqui e ali quando falta assunto, ao ser levada a sério torne-se
uma sentença.
O que significa “a vida começa aos 40”? Fiz uma pequena pesquisa em blogs e revistas e
parece que significa o seguinte: a vida começaria aos 40 porque as mulheres ainda estariam
bonitas, já seriam donas de uma carreira consolidada e financeiramente estáveis, teriam
passado por percalços suficientes para se sentirem mais confiantes e, então, sem as pressões
e inseguranças dos 20 e até dos 30, estariam mais livres para inventar novos rumos para suas
vidas — e novos rumos que estariam mais próximos de seus desejos.
Significava também que, aos 40, as mulheres já estariam com os filhos crescidos e,
portanto, teriam superado certo peso da maternidade. Mas acho que essa parte do pacote
já perdeu força, na medida em que hoje muitas mulheres estão justamente tentando
engravidar ou com filhos pequenos ao completar 40 anos. Nesse sentido, o mais correto a
afirmar nesses dias é que, em muitos casos, a vida dos filhos começa quando suas mães têm
40 anos. E acho que este é um bom tema para outro momento.
Por que eu desconfio da afirmação de que “a vida começa aos 40”? Primeiro, porque nela
está implícito que existe uma espécie de “vida de verdade”, enquanto a outra, a que veio
antes, seria uma vida menor. Eu acho que é preciso ter medo, muito medo, da tal da “vida
de verdade”.
Seja aos 40 ou em qualquer idade, a tal da “vida de verdade” é fonte de muito sofrimento
desnecessário. Ela coloca nossas vidas imperfeitas — e tudo e todos que dela fazem parte —
como sendo sempre insuficientes diante de alguma outra vida imaginária. Ou nos instala no
modo de espera de algo extraordinário que ainda vai acontecer e nos arrancar do que
interpretamos como uma mesmice aquém do que merecemos. A “vida de verdade” é uma
grande mentira. E a história de que “a vida começa aos 40” a reforça. Nesse ritmo, talvez a
vida não comece nunca. E acho que há gente demais — mulheres e homens — vivendo à
espera de que a vida comece, sem reparar que ela já vai pelo meio.
Se formos levar na literalidade da letra que a vida começa aos 40, seria muito triste. Seria
mesmo desesperador. Se, ao alcançar os 40 uma mulher chegasse à conclusão de que o que
se passou antes foi apenas um preâmbulo para uma vida — e não a vida em si, com toda a
sua quantidade de drama e de nadas — haveria um motivo bastante legítimo para se matar
aos 40. Afinal, o que foi que você fez antes se não era vida o que estava acontecendo?
Digamos ainda que essa mulher hipotética seja intrépida o suficiente para pensar: “Oquei,
tudo o que veio antes foi tempo perdido, ou apenas uma preparação para o que está por vir,
mas agora a vida de verdade começa”. Nesse caso, ela também chegaria à conclusão de que
seria uma existência bem curta. Com a expectativa de vida de 77 anos, segundo o último
censo do IBGE, as brasileiras teriam aí, em média, uns 37 anos pela frente.