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Fico aqui pensando se não há também certa dose de vingança contra as mais jovens nessas
reafirmações constantes da força da mulher dos 40 e dos 50 e além. Algo como: “Vocês têm
juventude, corpinho e possibilidades, mas a vida de vocês não tem nenhum significado. A
vida de verdade começa aos 40”. Ora, todas nós tivemos 20, e todas as que têm 20 hoje terão
40 e, com sorte, um dia passarão dos 70. Foi importante para mim aos 20 e depois aos 30
saber que existiam mulheres interessantes, criando vidas interessantes, depois dos 40, dos
50 e além. Hoje, perto de completar 46 anos, sonho em chegar aos 80 com uma vida tão
significativa como a de Fernanda Montenegro ou como a de uma parteira chamada Jovelina,
que conheci numa reportagem no Amapá. Mas ao meu próprio modo.
Agora, se essas mulheres que criam coisas interessantes e por isso ganham espaço na mídia
e por isso se tornam formadoras de opinião e por isso se tornam perfeitas não para si
mesmas, mas para os anunciantes, tivessem feito pouco caso da minha vida de 20 para
afirmar a sua de 40, 50 ou além, eu teria ficado muito decepcionada. Não por acreditar nelas,
mas por não poder acreditar nelas.
A vida é o que temos e o que fazemos dela, com um pouco de tudo, em qualquer idade.
Aos 40, percebemos que começamos a envelhecer. Não acho que devemos negar isso,
mesmo porque não adianta. O que vamos dizer aos 50 ou aos 60? Que a vida começa de
novo? Ué, mas ela não tinha começado aos 40? E aos 70, 80 ou 90, vamos “descobrir” que a
vida começa no fim?
Não existe “vida de verdade” — só existe vida, que é o que está acontecendo agora, seja
lá o que for. Acho que vale mais a pena aceitar que envelhecemos e descobrir um jeito de
viver com isso. Não começando, mas continuando a criar a melhor vida possível, a melhor
vida possível com os limites de cada uma, do jeito de cada uma. E com uma grande dose de
generosidade com as nossas atrapalhações — e também com as de quem amamos —seja
aos 20, aos 40 ou aos 70.
De minha parte, aos 20 anos eu estava tropeçando nos meus próprios pés e me
perguntando o que e quem sou eu. Aos 40 e poucos continuo tropeçando nos meus próprios
pés e me perguntando quem e o que sou eu. Não que não tenha descoberto e trilhado
algumas pistas, mas é que elas vão se multiplicando e se alargando no percurso. O tempo
escasseia, mas o número de perguntas aumenta, o que é um tanto ingrato.
Aos 20 anos, eu não sabia se queria ser jornalista ou bióloga ou garçonete em Amsterdã
ou me matar. Aos 40 e poucos eu me confundo com escolhas mais subjetivas, algumas não
consigo nem mesmo nomear. E me preocupo muito em não ser uma coisa só, como um
daqueles gênios presos em uma garrafa, que só realizam o desejo dos outros. Me esforço
então para desfazer rótulos sobre mim mesma — e faço caretas para não ficar cristalizada
em uma só imagem no espelho, o privado e o público. Nesse momento da vida, a gente pode
descobrir que é tão importante se desinventar como foi um dia se inventar. Mas imagino