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Nesses 37 anos, mesmo que essa mulher seja saudável como uma vaca de leilão, teria de
lidar com problemas de saúde aqui e ali, depois aqui, ali e em toda parte. Teria de lidar com
as letras que vão diminuindo de tamanho bem diante dos seus olhos. Teria de lidar com a
perda progressiva da juventude. E teria de lidar com a velhice dos pais, com a sua própria, e
também com a morte daqueles a quem ama. É muita coisa para lidar, não? Se além de tudo
isso a vida estiver começando... coitadas de nós.
Ao defender que “a vida começa aos 40”, portanto, estamos nos lançando em um
paradoxo lógico: “a vida começaria no mesmo momento em que chega à metade”. E não a
qualquer metade, mas a uma metade que envolve declínio físico, perdas inescapáveis e
termina em morte. Parece deprimente? Seria, se fosse só isso, mas há também muitas
possibilidades interessantes em curso, se tivermos aprendido algo num momento anterior.
Triste? Algumas vezes muito triste, com certeza, mas também engraçada, se já conseguirmos
rir de nós mesmas, e com um monte de coisas para inventar e para experimentar — e outras
que só nos resta aceitar. É a vida, com sua mistura de tragédia e comédia e um bocado de
espaços vazios e repetições.
Despida de seu conteúdo revolucionário, que fazia sentido em décadas passadas, mas hoje
não me parece que faça mais, a máxima de que “a vida começa aos 40” pode se tornar uma
autossabotagem. Temos medo, quando chegamos aos 40, porque uma metade da vida já
passou — e justamente a metade em que éramos jovens. Para as mulheres é de certo modo
mais difícil porque a exigência de que pareçamos jovens é maior. E, por causa dela, muitas
se lançam aos bisturis para adiar o inevitável, nem sempre com resultados satisfatórios. Sem
falar nas injeções na testa, que de piada viraram coisa séria e dispendiosa desde a invenção
do botox. Mas não acho que transformar nosso medo em autoafirmação seja uma boa ideia.
Tipo: “Ah, que maravilha, cheguei aos 40 anos e agora começa a melhor época da minha
vida!”. Soa meio bobo, não? Não é possível que 40 anos de vida não tenham nos permitido
dizer algo mais instigante.
É preciso que a vida antes dos 40 tenha sido bem ruim para que o que venha depois seja
tão melhor assim a ponto de se tornar a vida inteira. Se não foi tão ruim antes dos 40,
também não é preciso temer que seja tão pior depois, a ponto de se tornar necessário gritar
em público que os 40 estão sendo uma libertação ou uma epifania ou a abertura de 2001 —
Uma odisseia no espaço24.
Como tudo nesse nosso mundo de mercadorias, o conteúdo revolucionário de ontem
virou propaganda de hoje para nos vender um montão de produtos. E seria legítimo
esperar que pelo menos nisso soasse algum tipo de sirene, já que a maior parte do que
tentam nos vender nessa faixa etária onde “a vida começa” seja justamente
rejuvenescimento. Contraditório, não? Acreditar que publicidade é filosofia, este é um
passo que não precisamos dar.