Page 222 - LIVRO - ENCONTRO DE RIO E MAR_160x230mm
P. 222

Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               de todos os moradores da Vila de Regência que se veem vulneráveis em
               relação ao crime ambiental cometido pela empresa Samarco.

               Em entrevista para o jornal Século Diário no dia 9 de agosto de 2017, o
               produtor cinematográfico e produtor cultural José Augusto Muleta, um
               dos organizadores da “Segunda Carreata Contra a Lama e pela Paz”, ma-
               nifestação organizada por surfistas, questionou as medidas adotadas pela
               Justiça Federal que suspenderam os processos criminais da Samarco/Va-
               le-BHP e disse:
                       Isso é faz de conta. Não existe horizonte de voltar a pesca na re-
                       gião e não vemos as pessoas sendo preparadas, os jovens, pra ou-
                       tras atividades econômicas. [...] A empresa não cuida das pessoas
                       e a Fundação Renova é uma mentira. Não existe relação verda-
                       deira com as pessoas. Só no papel e na demagogia. [...] A figura do
                       surfista é totalmente ignorada. Jogaram lama na minha cara. [...].
                       A Samarco matou um dos maiores rios do mundo e está impune.
                       Um absurdo!
                       [José Augusto Muleta, surfista, produtor cinematográfico e cul-
                       tural, em entrevista ao jornal Século Diário, 9 de agosto de 2017].

               Outro problema enfrentado pelos surfistas é que, em alguns momentos,
               durante os dois anos após rompimento da barragem de Fundão, a água
               do mar tornou-se mais clara e não tinha aquela tonalidade alaranjada
               como na chegada da lama. E muitos deles, impulsionados pelo visual,
               acabavam abstraindo os problemas que poderiam estar associados ao uso
               da água. Problemas estes que são relembrados após as grandes chuvas,
               quando mais lama desce pelo rio e a tonalidade da água torna-se alaran-
               jada novamente, o que iremos explicar na seção a seguir.


               O CICLO DE LAMA

                  Logo na chegada da lama à vila de Regência, o visual do Rio Doce e
               do mar dava a impressão de horror. Sabemos que a relação visual é bem
               importante, pois ela dá a interpretação de senso comum ao fato e é o
               primeiro contato que se tem com as águas do rio e do mar. Esse fato nos
               faz pensar no plano etnológico de Lévi-Strauss (1976) acerca da “imagina-
               ção estética”, onde as categorias são sensíveis. No começo, quando a água




                                               220
   217   218   219   220   221   222   223   224   225   226   227