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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

                       a questão do meu boletim, o açaí também, tudo que a gente tra-
                       balhava aqui zerou, né, e a gente tem, as pessoas tão falando de se
                       adaptar à nova realidade, né, eu não sei neste momento... eu não
                       tenho renda e não vou ficar acumulando dívida, né, porque fica
                       uma bola de neve num tá vindo ninguém, a conta de água e luz,
                       as contas vêm, então se for pensar friamente não tem condição,
                       se for viver pelo estilo de vida viver de doação e de contribuição,
                       aqui eu tinha um trabalho, e o meu trabalho que eu vivia aqui é de
                       conseguir sobreviver, fazer nossa renda e... é muito complicado,
                       eu me sinto atingido diretamente e não vejo, assim, em seis meses
                       que se passaram não deram nenhuma alternativa, não mostraram
                       nenhum horizonte muito favorável a não ser a questão do cartão
                       aí e que eles tão querendo reconhecer o comércio agora...
                       [Entrevista com o surfista Ricardo, realizada em Regência Augus-
                       ta, em 30 de maio de 2016].
               Muitos relatam que ser reconhecido como comerciante já era complica-
               do, imagina o surfista ser reconhecido como atingido. É como se a lama
               lançada ao mar não fosse de responsabilidade da empresa responsável
               pela barragem e não tivesse atingido todos aqueles ligados ao mar e ao
               rio, alguns morando na área.
               Nas narrativas dos surfistas, podemos notar a resistência que há em seus
               diálogos, porém cada indivíduo interpreta o evento de uma forma particu-
               lar. Não obstante, no coletivo, os interesses são os mesmos, ainda que com
               sentidos diferentes. O conflito é gerado no momento em que é discutido o
               que há na água, se está contaminada ou não. Há os que defendem que a
               água esteja sim contaminada e que, por conta disso, o surfe precisaria parar.
               E há os que acreditam que a lama não seja assim tão prejudicial à saúde e
               que não há necessidade de parar as atividades de surfe ou então de divulgar
               a questão da presença na lama, como via ciberativismo  nas redes sociais.
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               A falta de informações sobre a água potencializaria os conflitos, assim
               como descreve o surfista Marcos:



               8   Quanto ao ciberativismo, alguns surfistas usaram as redes sociais para promover encon-
               tros e carreata, cobrando ações e soluções da empresa e órgãos públicos para lidar com o
               evento da lama.




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