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Capítulo 8

                    nharam novos sentidos e, com isso, também os moradores se depararam
                    com novas formas de resistência, confronto e poder. Com esses fatos, tam-
                    bém podemos fazer um comparativo com textos de Telma Camargo da
                    Silva (2012), que mostra as narrativas dos sobreviventes da contaminação
                    pelo Césio 137 em Goiânia, em que a memória é trazida em novas formas
                    de enfrentamento e até mesmo como forma de gerenciar os impactos so-
                    ciais sofridos. Dentro desse quadro, podemos considerar os surfistas um
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                    dos quase-grupos  de resistência em Regência com a chegada da lama.
                    É importante ressaltar, também, a noção de atingido, que, por se tratar de
                    um dos termos utilizados na literatura para classificar aqueles que sofrem
                    as consequências difusas produzidas pela expansão de grandes empreen-
                    dimentos, acaba gerando disputa em sua definição. Isso está correlacio-
                    nado com a questão da atuação das empresas (Samarco/Vale-BHP) e com
                    as medidas que elas foram obrigadas a cumprir na foz do Rio Doce por
                    determinação judicial após o rompimento da barragem, através princi-
                    palmente do “perfil” de atingido preposto pela empresa, o qual abordare-
                    mos abaixo. Assim, neste artigo, partimos do pressuposto do conceito de
                    atingido de Vainer (2008), que diz o seguinte:

                           Conceito em disputa, a noção de atingido diz respeito, de fato,
                           ao reconhecimento, leia-se legitimação, de direitos e deveres de
                           seus detentores. Em outras palavras, estabelecer que determina-
                           do grupo social, família ou indivíduo é, ou foi, atingido por certo
                           empreendimento significa reconhecer como legítimo – e, em al-
                           guns casos, como legal – seu direito a algum tipo de ressarcimen-
                           to ou indenização, reabilitação ou reparação não pecuniária. Isto
                           explica que a abrangência do conceito seja, ela mesma, um objeto
                           de disputa (VAINER, 2008, p. 40).

                    Considerando o que foi exposto, o objetivo do artigo é dialogar com as
                    memórias e narrativas dos surfistas de Regência, assumindo a opção de
                    tratar o evento da lama como crime ambiental, bem como usar o termo
                    atingido, incluindo os surfistas nesta categoria — mesmo no caso em que
                    eles não sejam considerados para fins de recebimento do cartão de auxí-


                    3   Neste texto, os surfistas serão classificados como “quase-grupos” conforme o conceito
                    de Adrian C. Mayer (Feldman-Bianco, 2009), “cujo os membros possuem interesses em
                    comum, mas que poderão formar grupos definitivos” (p.127).




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