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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               lio mensal, o qual foi distribuído a algumas famílias da região.

               O presente artigo não tem por objetivo criticar quem surfa ou deixou de
               surfar em Regência, mas sim demonstrar as imprecisões trazidas aos sur-
               fistas, devido à qualidade da água após a lama e as alterações que ela trou-
               xe na relação com as águas do mar. Para tal intento foram feitas imersões
               em campo, com curta duração, bem como entrevistas com os surfistas e
               reportagens relativas a eles. Para melhor entender o processo de narrati-
               vas desses surfistas atingidos, pensamos o contexto após o rompimento
               da barragem tendo como referência textos clássicos das Ciências Sociais
               que também abordam os eventos críticos e as alterações que geram. Des-
               se modo, este artigo foi dividido em duas partes principais, uma em que
               trazemos o olhar sensível dos surfistas quanto à sua memória e de como
               se organizaram enquanto atingidos. Na segunda parte do texto, tratamos
               a presença da lama como algo continuado e cíclico, pois, em consequên-
               cia das grandes chuvas, mais lama desce ao longo do Rio Doce.
               Para explicar melhor o ciclo de lama, relacionamos este artigo com o texto
               de Renzo Taddei (2014), “As secas como modos de enredamento”, ao qual
               associamos as representações das grandes chuvas e os seus encadeamen-
               tos sociais, políticos, culturais e ambientais. Já no texto no Tim Ingold
               (2012), “Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos nos
               mundos materiais”, associamos a relação “objeto” e “coisa” com a cinesia
               das grandes chuvas em Regência.



               MEMÓRIA E RESISTêNCIA
                  O surfe em Regência teve sua ascendência depois dos anos 2000 quan-
               do moradores da vila, assim como moradores de Linhares, começaram a
               surfar por lá. A partir deles, veio a divulgação, e surfistas de outras loca-
               lidades e municípios, como Vitória, capital do Espírito Santo, passaram a
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               frequentar os seus picos.  Assim, para contar um pouco da história do surfe
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               em Regência, o surfista Fábio  descreveu como foi o início do surfe no lugar:
                       No surfe foi quem trouxe essa explosão mesmo pra cá, de 2000
                       pra cá, a gente tinha uma história. Eu mesmo viajava muito, via-

               4   Local favorável para a prática do surfe, ou a parte mais alta da onda.
               5   Para preservar a identidade dos interlocutores, optei por usar nomes fictícios.




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