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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

                       cio falava “pode tá bom, mas a água tá uma merda”, eu cheguei
                       pra mim eu tô dizendo, teve um momento que eu cheguei a “o dia
                       hoje tá bom, vai ter altas ondas, vou surfar”, já não pensava muito
                       na água, aí chegava lá, às vezes, e já via água mais amarelada e já
                       ficava mais preocupado, mas não deixava de cair.
                       [Entrevista com o surfista Luciano, realizada em Regência Augus-
                       ta, em 21 de novembro de 2016].

               O visual da água se tornou um importante fator intuitivo que determi-
               nava se o surfista deveria ou não surfar. A identidade, de modo geral, in-
               fluencia na percepção de risco, pois o apego ao local é “importante para a
               construção e continuidade da sua identidade” (GIULIO et al., 2015, s.p.). O
               localismo está presente na linguagem dos surfistas, mas, diferentemente
               do sentido negativo  que comumente ele traz, nesse contexto, podemos
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               relacionar o localismo ao apreço que os surfistas têm com as ondas de
               Regência.
               Nos períodos das grandes chuvas, pode-se observar que a tonalidade da
               água muda e, pelo impacto sensorial, os surfistas ainda não costumam
               pegar ondas nessas condições. Por isso, podemos dizer que a agência da
               lama é cíclica, mais do que um evento isolado, e, com os períodos de chu-
               vas, é necessária uma reorganização para lidar com elas. Renzo Taddei
               (2014), ao falar das secas anuais como modos de enredamento, ajuda-nos
               a entender a situação de Regência, pois, no caso do estudo feito por esse
               autor, os períodos de seca são intercalados com os das grandes chuvas,
               culminando no fato de, em Regência, essas alternâncias se desdobrarem
               ao longo do tempo, pois não houve a remoção dos rejeitos de mineração
               no Rio Doce à montante, bem como no mar. E, para se lidar com isso,
               depara-se, então, com a dicotomia “natureza” e “cultura” nos padrões co-
               letivizantes de simbolização, que predominam junto a algumas instâncias
               e agentes, como os orientados predominantemente pela ciência e pela
               tecnologia, em que a natureza mostra a sua força e o domínio humano
               precisa atuar para controlá-la. Com isso, nas disputas simbólicas, deve-


               10   O localismo é uma disputa de territorialidade; é a preferência que o surfista local tem
               sobre os surfistas de fora. Em lugares como o Havaí e Austrália, a cultura do localismo gerou
               diversos tipos de violências entre surfistas nativos versus surfistas adventícios. Fonte: http://
               www.waves.com.br/arquivo/localismo-virtual/ (último acesso em: 05/03/2018).




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