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CINEMA



                      O Brasil contemporâneo de ‘Boi neon’





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                                                                                                                         fotos racHel ellis/divulgação
             O sociólogo Milton Santos tem uma frase que define bem as tensões
            que se intensificaram nos últimos anos. Segundo ele, a força da aliena-
            ção vem de uma fragilidade dos indivíduos quando apenas conseguem
            identificar o que os separa, e não o que os une. No caso de uma Nação
            como o Brasil, a busca por aspectos de confluência passa, necessaria-
            mente, pela construção de uma identidade.
             Historicamente, as artes, entre elas o cinema, têm ajudado a fazer essa
            ponte entre o particular e o coletivo. Assim, em um recorte mais recente,
            a Era Collor, com suas mazelas, está eternizada em Terra Estrangeira
            (1996), de Walter Salles, que retrata com a poesia de Vapor barato
            (composição de Macalé e Salomão) na trilha, a história de brasileiros em
            busca de oportunidades no exterior, a partir da crise desse período - que
            culminou com o confisco da poupança.
             Na perspectiva de que “cidade é luta de classes”, as contradições do
            Brasil contemporâneo, demarcadas por aquilo que a arquiteta Ermínia
            Maricato conceitua como a arquitetura da exclusão, são expostas em O
            som ao redor (2012), de Kleber Mendonça Filho; já a senzala perpetua-
            da pela elite na relação ambivalente com as empregadas domésticas é  interior do Nordeste, onde um polo têxtil emergente pauta as ambições
            magistralmente denunciada em Que horas ela volta? (2015), de Anna  do vaqueiro Iremar (Juliano Cazarré), imerso em sua itinerância. A lama
            Muylaert. Muitos outros títulos dão conta de evidenciar a dor e a delícia  cotidiana, os animais, os instintos, a noite, o corpo - paradoxos estéticos
            de viver nesse país de dimensões continentais que penosamente mantém  e alegorias sobrepõem-se sem afetações. Pouco acontece - é bom lem-
            seu cinema-arte, vital para que a noção de comunidade que se estabe-  brar de antemão que não se trata da conquista do sonho americano. Às
            lece por meio desse imaginário comum possa fazer frente aos interesses  margens, não raros são os talentos que ficam pelo caminho.
            predatórios do mundo globalizado.                                 Mascaro também dirige o documentário Um lugar ao sol (2009) com
             A partir desse panorama, o convite é viajar pelo Nordeste na boleia  ouvidos atentos a preconceitos explícitos nos depoimentos de moradores
            do caminhão que conduz ‘Boi neon’ (2015), de Gabriel Mascaro. Com  de coberturas nas grandes cidades do Brasil. Como se vê, do outro lado
            planos longos e fechados, e uma trama aberta em que se destaca a na-  da indústria do entretenimento se fabrica bons espelhos.
            turalidade dos diálogos, o filme apresenta a industrialização recente do
                                                                                                                          palavrear@gmail.com














































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