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16 Março, 2018 Página Cultural 19
Gazeta das Caldas
Mário Reis: “Caldas é uma Bela Adormecida à
espera de ser acordada de um sono profundo”
Mário Reis é o autor de “Imersão de Letras”, a primeira peça da nova colecção de cerâmica da Gazeta das Caldas, iniciada este mês. O
ceramista escolheu reproduzir as tradicionais banheiras do Hospital Termal e decorou-as com frases de personalidades locais. Nesta
edição o autor respondeu a um inquérito onde dá a conhecer um pouco sobre a sua carreira e sobre a actualidade do sector nas
Caldas. Falou também sobre as dificuldades de ser artista nesta cidade que, à falta de uma estratégia cultural e turística, “é uma espécie
de Bela Adormecida à espera de ser acordada de um sono profundo”.
Natacha Narciso liando as duas técnicas, num espaço MR: Na indústria nas Caldas para aberto a propostas para exposições. DR
nnarciso@gazetacaldas.com de Turismo Rural em Óbidos “Casal além da Bordallo Pinheiro, da Molda Poderá certamente haver outros pos-
da Eira Branca. e da Braz Gil que sobreviveram à crise, síveis parceiros com que os ceramis-
Nome: Mário Reis “OS BENEFÍCIOS DA MOLDA começaram a surgir alguns nichos de tas possam contar.
mercado para uma cerâmica de autor,
Idade: 47 anos PARA OS CERAMISTAS SÃO de quantidades mais reduzidas, mas GC: Acredita que as Caldas tem
Naturalidade: POUCOS OU NENHUNS” onde se aposta na qualidade e na ori- condições para ser reconhecida
ginalidade. Estes ceramistas embora
como Cidade Criativa (Arts & Crafts)
Luanda, Angola GC: Que opinião tem da Molda? Que vivam e trabalhem na região escoam em 2020?
benefícios traz aos ceramistas? as suas peças para outros locais. MR: Isso até pode vir a acontecer. Mas
MR: Na altura que este evento foi quem vive na cidade sabe que esta
GAZETA CALDAS: Quando começou anunciado disse-se que teria uma GC: O futuro da cerâmica passa pela tem sido uma cidade de criativos e
a dedicar-se à cerâmica? projeção nacional e até internacio- indústria, pelo trabalho artístico, ou não tanto uma cidade criativa. A ci-
MÁRIO REIS: Embora tenha tido con- nal. O que tem acontecido são algu- pela conjugação de ambos? dade tem produzido muitos artistas
tacto com o barro em criança, na ola- mas iniciativas demasiado espaçadas MR: Penso que todas essas opções que depois a maioria acaba por dar
ria do meu avô, foi com 20 anos que no tempo, divulgadas apenas local- podem vingar. Terá que haver sem- cartas noutras paragens. Tirando al-
tive um contacto mais sério com a mente. Este evento em vez de durar pre a componente artística, a criati- gumas iniciativas independentes, a
cerâmica, num curso de modelação quatro anos devia condensar-se num vidade, a originalidade, a qualidade. maior parte das vezes sem apoios,
de cerâmica e gesso de dois anos no espaço curto de tempo e concentrar Na indústria, a extinta Secla teve nos não existem eventos culturais com
Cencal. Uns anos mais tarde, com 28 todas as iniciativas para essa altura, seus tempos áureos, um modelo que boa divulgação para o exterior. É di-
anos, voltaria novamente à cerâmi- como o Folio em Óbidos, e convidar acho que ainda faria sentido nos dias fícil crescer como artista nesta cidade.
ca, vendendo já trabalhos, embora ceramistas nacionais e internacionais. de hoje, trabalhar com criativos, que No caso da cerâmica, ela está no ADN
como part-time. Em 2004, com 33 Os benefícios da Molda para os cera- trariam para as fábricas novas ideias. da cidade mas não podemos estar
anos viria a dedicar-me exclusiva- mistas são poucos ou nenhuns. Não A questão é que algumas não têm es- só agarrados ao passado. Não vejo
mente à cerâmica. basta convidar os autores para uma paço de manobra criativa, produzem a existência duma estratégia cultural “Com uma escultura que representa o corvo e a guitarra portuguesa e funciona também
exposição, só para cumprir calendá- o que o cliente quer. nem turística. Sinto que as Caldas é como instrumento de cordas.”
GC: Quais são os materiais cerâ- rio. Isto exige esforço de trabalho por uma espécie de Bela Adormecida à
micos com que prefere trabalhar? parte dos participantes, deve haver GC: Com que parceiros é que os ce- espera de ser acordada de um sono Caldas tem as termas e a cerâmica meu avô [João Reis].
MR: Como matéria-prima principal um retorno monetário para os cera- ramistas da região podem contar? profundo. O que diferencia os lugares que podiam ser uma alavanca na eco- GC: Se não fosse a cerâmica, a que
utilizo geralmente o grés. Utilizo tam- mistas, quando existem verbas para MR: A Gazeta das Caldas tem sido e os torna únicos são a sua cultura, nomia local. outra arte poderia dedicar-se?
bém outros materiais não cerâmicos este evento. Ou no mínimo que seja um parceiro importante na divulga- a sua identidade. Não basta dizer-se MR: Algo que tivesse relacionado
que podem ser diversos, ferro, inox, feito um esforço na dinamização e di- ção dos projetos dos ceramistas. Tem que se é uma cidade disto ou daquilo GC: Quais são os ceramistas que com desenho, talvez ilustração. O
vidro, madeira, entre outros, mas ha- vulgação do evento. No evento Bom havido algumas parcerias entre ce- e hastear essa bandeira quando ne- mais admira? gosto pelo desenho apareceu-me
bitualmente é o ferro e o inox. dia Cerâmica em Alcobaça, estes têm ramistas e fábricas da região. Ainda cessário, é preciso orgulharmo-nos, MR: Existem vários, falando das primeiro do que a cerâmica.
Brevemente irei juntar-me a um sido pagos pela sua participação. recentemente o Miguel Neto e a Paula valorizando e promovendo aquilo Caldas, a maior parte deles já não
amigo, Milton Dias, que trabalha em Violante elaboraram na Braz Gil um que nos torna únicos. A Nazaré tem está entre nós, Armando Correia, GC: Que livro está a ler?
Stencil, uma vertente do Graffiti e ire- GC: Acha que actualmente há uma trabalho para a livraria Lello no Porto. as ondas gigantes, Óbidos tem o cas- Ferreira da Silva, Herculano Elias, os MR: Estou a ler “Enquanto Salazar
mos fazer um trabalho juntos, conci- retoma da cerâmica na região? O Museu de Cerâmica está sempre telo, Lourinhã tem os dinossauros, as meus tios [João e Armindo Reis], o dormia…” de Domingos Amaral.
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