Page 18 - Edicao 5217 # 16-03-2018
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                                                                                                                                           16 Março, 2018





       Um teatro que aborda a velhice, a vida


       e o medo da morte







       “Crise no Parque Eduardo VII” é uma peça que alerta para a situação dos mais velhos e que foi escolhida para abrir a 5ª edição do “Ao
       Teatro!”, no cine-teatro na noite de 9 de Março. Este é um festival organizado por um grupo amador da Benedita que até ao final do
       mês traz mais cinco actuações ao concelho de Alcobaça.




       Isaque Vicente           -nos e caímos no chão e 70 anos   tarde num centro de dia.
       ivicente@gazetacaldas.com  depois acontece o mesmo”, mas   Ele rejeita tudo, mas ela está irre-                                                     Isaque Vicente
                                realça que velhos ou lentos até po-  dutível: “estou disposta a deixar
       Dois velhos estão sentados num   dem ser, mas inúteis nunca.  que o pai me odeie”, realça a filha,
       banco do Parque Eduardo VII e   “Vocês coleccionam carros anti-  mas João inventa nova história para
       conversam.  Um  é  corajoso  e  re-  gos, móveis antigos, tudo anti-  se escapar da filha.
       volucionário, o outro é cauteloso   go, mas pessoas antigas não, elas   Na última cena, João  Bernardo
       e cerebral. Mas partilham o medo   parecem-se com o vosso futuro e   reencontra o amigo no Parque e
       da morte, o peso da idade e a tris-  vocês têm medo dele, mas quan-  diz-lhe que contou a verdade à fi-
       teza e solidão a que a sociedade   do chegarem a essa altura vão é   lha e que agora vive num centro
       submete os idosos.       ter terror. Os velhos são sobrevi-  de dia. Hugo ficou sem emprego e
       Começamos por conhecer os pro-  ventes, há qualquer coisa que eles   sem indemnização e o bandido que
       blemas do segundo, o Hugo, que é   sabem. Não pensem que são gen-  o extorquia voltou e exige agora o
       responsável pelo prédio onde vive   te que se deixou ficar até tarde só   dobro do dinheiro.
       há 42 anos e que está prestes a ser   para vos estragar a festa. Os muito   Nesta cena, o revolucionário conta
       substituído por uma empresa de   velhos são autênticos milagres, tal   então a Hugo quem é realmente: “o
       gestão de condomínios. Medroso,   como os recém-nascidos. A beira   meu nome é João Bernardo, fui
       Hugo até cede à chantagem e paga   do princípio é tão preciosa como   empregado de mesa 42 anos e re-
       a um jovem para que este lhe per-  a beira do fim”.  formei-me, moro no lar de Belém
       mita passar pelo túnel que fica no   Na sua argumentação, João   e nunca fui nem sou ninguém”.
       caminho da sua casa.     Bernardo salienta que “as ideias
       Mas João Bernardo, o corajoso,   mantém-se, são melhores que as   O TEATRO A CUMPRIR
       trata de defender o recente ami-  pessoas que lhes deram origem”   A SUA FUNÇÃO  Com muita diversão a dupla de opostos aborda questões sérias e deixa o público a pensar
       go contra tudo e todos, assumin-  e que “as saudades matam mais
       do, para tal, diferentes persona-  que a insuficiência cardíaca”.  Esta é uma peça que, sendo uma
       gens. Primeiro diz-se capitão da   Mas o amigo mantém-se na reta-  comédia, trata temas sérios como   muito boa, aborda um tema bru-  Teatro! Festival  “uma iniciativa   se passa no Central Park, de Nova
       polícia para afastar o bandido que   guarda e prefere  “salvar o em-  os pensamentos e sentimentos dos   tal, que é sensível e complexo”,   brilhante que no ano passado teve   Iorque. Foi adaptada por João Mota
       cobrava pela passagem e depois   prego  e  esquecer  a  causa”.  O   idosos, a forma como são tratados,   afirmou, elogiando a qualidade dos   espectáculos muito bons”. A ter-  que escolheu o parque lisboeta por-
       “transforma-se” em advogado e   revolucionário, no entanto, não   a dificuldade em encarar a velhice e   actores em palco. “Houve momen-  minar aconselhou todos a ver esta   que ali existe toda a panóplia de
       consegue convencer o presidente   o permite, porque “quando uma   os medos que têm. Mas trata tam-  tos em que o público ficou com-  peça e a “virem ao teatro”.  situações que envolve o enredo.
       da Comissão de Moradores a não   pessoa se rende ao opressor é um   bém temas como a prostituição e a   pletamente em silêncio, a pen-  “Crise no Parque Eduardo VII”   A ligação das cenas é feita ao som
       chatear Hugo. Utiliza as mentiras,   ninguém”.    toxicodependência, nas aventuras   sar”, notou.   é baseado na obra “Eu não sou   do fado, numa peça onde também
       ou como lhes chama, “adaptações   Só que, entretanto, aparece em   da engraçada dupla.  Luís  Rodrigues considera o Ao   Rappaport”, de Herb Gardner, que   entra uma música de Zeca Afonso.
       da realidade”, e junta-lhes muita   cena  a  filha  de  João  Bernardo,   Retrata as conversas em que duas
       lábia. “A gente usa-se da persona-  Catarina, que também esteve li-  que a outra diz, aborda o olhar para  Teatro na Benedita e na Maiorga
                                                         pessoas falam, mas não ouvem o
       lidade que dá mais jeito”, explica.  gada ao partido, mas se afastou
       E esse é o motivo da discussão que   depois de ver que nada tinha mu-  o fim de vida e a falta de afectivi-
       abre a peça: Hugo queixa-se de não   dado no mundo.  dade. Critica a falta de atitude e o   O Ao Teatro! Festival é organizado pelo grupo de teatro amador Gambuzinos com 1 Pé de Fora e custa
       saber quem é o recente amigo, que   Ela vive em pânico com medo dos   comodismo e envolve o especta-  6500 euros, sendo 3500 euros financiados pela Câmara de Alcobaça.
       a cada dia assume um nome e pro-  perigos que a cidade e o parque   dor numa nuvem de pensamentos.  Até dia 31 de Março é possível apreciar mais cinco peças de teatro, duas de companhias internacio-
       fissão diferente.        encerram para o pai, mas ele tem   No final, as mais de cem pessoas   nais. Amanhã, 17 de Março, pelas 21h30, realiza-se “Stand Down”, de Ángel Fragua, no Centro Cultural
                                medo do que a filha “possa fazer   que estavam na sala levantaram-se   Gonçalves Sapinho (5 euros bilhete geral ou 3 euros para estudantes, séniores e sócios). No domingo, a
       LENTOS SIM, INÚTEIS NUNCA  em nome do que chama amor”,   para bater uma demorada salva de   companhia anfitriã apresenta “(…) e a vida, afinal, é como as orquídeas” no Centro de Bem-Estar Social
                                como fechá-lo num lar.   palmas aos actores.       de Maiorga (17h00 – 2 euros).
       João é um comunista convicto, a   Essa é, aliás, uma das três hipóteses   Já à saída, o espectador Luís   O festival volta à Benedita no dia 23 com “A Noiva de D. Quixote”, pela EME 2, da Galiza (21h30), “ATM
       quem a idade não belisca o espíri-  que Catarina dá ao pai, além de vi-  Rodrigues, do Vimeiro, confessa-  – Atelier de Tempos Mortos” da Companhia do Chapitô no dia seguinte (21h30) e “Alguém para Fugir
       to revolucionário e interventivo, e   ver consigo ou manter-se em casa,   va-se ainda extasiado com a peça.   Comigo”, da Resta 1 Colectivo de Teatro no último dia do mês (21h30). Os bilhetes para estes três espectá-
       nota que “aos dois anos largam-  contactável, e almoçar e passar a   “Gostei imenso, a história em si é   culos custam 5 euros ou 3 euros para estudantes, séniores e sócios.   I.V.


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