Page 277 - Fortaleza Digital
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vias, a Esquina de los Reyes. Sabia que estava com problemas: já tinha passado
      por ali antes. Apoiou um pé no chão para segurar a moto enquanto pensava para
      onde iria, mas o motor engasgou e parou. O medidor de gasolina indicava que o
      tanque estava vazio. De forma quase cronometrada, uma sombra surgiu em uma
      viela à sua esquerda.
      A mente humana é o computador mais rápido que existe. Em uma fração de
      segundos, Becker registrou o formato dos óculos do homem, 315
      pesquisou algo similar em sua memória, encontrou o que buscava, registrou
      "perigo" e requisitou que tomasse uma atitude. A decisão foi rápida: largou a
      motoneta inútil e saiu correndo o mais rápido que pôde.
      Infelizmente para Becker, dessa vez Hulohot estava de pé e imóvel, e não se
      sacudindo dentro de um táxi. Levantou calmamente sua arma e disparou.
      A bala atingiu Becker de raspão, pouco antes que ele virasse uma esquina e saísse
      da linha de mira. Deu cinco ou seis passos antes que a sensação começasse a se
      propagar. Primeiro parecia uma contração muscular, pouco acima do quadril.
      Depois tornou-se uma pontada. Becker viu o sangue. Não havia dor alguma:
      apenas uma corrida desesperada através do labirinto de vielas de Santa Cruz.
      Hulohot correu atrás de sua presa. Tinha pensado em atirar na cabeça, mas era
      um profissional e sabia calcular seus riscos. Becker era um alvo móvel e mirar
      em seu torso lhe dava maior margem de erro, tanto na vertical quanto na
      horizontal. Seus cálculos tinham dado certo. Becker havia se movido na última
      hora e, em vez de errar sua cabeça, Hulohot acertou de raspão próximo à
      cintura. Sabia que a bala mal tinha arranhado Becker e que não faria grandes
      danos, mas o tiro tinha servido a seu propósito. Ele havia feito contato. A presa
      tinha sido tocada pela morte. Era outro jogo agora.
      Becker corria, cegamente. Virando. Andando em ziguezague. Mantendo-se fora
      das vias mais abertas. Os passos atrás dele pareciam incansáveis. Becker não
      pensava em mais nada. Não queria saber onde estava ou quem estava atrás dele.
      Havia sobrado apenas instinto, autopreservação. Nenhuma dor, apenas medo e
      energia pura. Um tiro atingiu um azulejo pouco atrás dele. Pequenos fragmentos
      voaram de encontro à sua nuca. Jogou-se para a esquerda, em outra ruela. Ouviu
      sua própria voz gritando por socorro, mas, a não ser pelo som dos passos e de sua
      respiração acelerada, o ar da manhã
      permanecia morbidamente silencioso.
      O ferimento estava ardendo. Becker temia estar deixando um rastro de sangue
      pelo piso claro. Procurava desesperadamente uma porta aberta, um portão,
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