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ou de assuntos da universidade, nem tampouco das coisas que preenchiam 90%
      de sua vida. Eram lembranças dela. Memórias simples, como o dia em que a
      ensinara a usar os hashi, ou quando velejaram em Cape Cod. Eu te amo, pensou.
      Saiba disso... para sempre. Era como se cada defesa, cada fachada, cada
      insegurança de sua vida tivessem sido arrancadas. Ele estava ali em carne e osso
      perante Deus. Fechou os olhos enquanto o homem de óculos de armação de
      metal andava em sua direção. Em algum lugar próximo, um sino começou a
      tocar. Becker esperou, na escuridão, pelo som que poria fim à sua vida.
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      CAPÍTULO 89
      O sol estava começando a se levantar sobre os telhados de Sevilha e brilhava em
      suas ruas. Os sinos no alto da Giralda anunciavam a primeira missa do dia. Esse
      era o momento pelo qual os moradores do bairro esperavam. Portas se abriam e
      de todos os lados famílias surgiam nas ruelas. Como sangue sendo bombeado
      pelas veias da velha Santa Cruz, fluíam em direção ao coração de seu pueblo, em
      direção ao centro de sua história, seu Deus, sua catedral.
      No interior da mente de Becker, um sino tocava. Estou morto?
      Hesitante, abriu os olhos e contraiu as sobrancelhas, ofuscado pelos raios de sol.
      Sabia onde estava. Levantou os olhos e procurou seu agressor na viela. Contudo, o
      homem e seus óculos não estavam lá. Em vez disso havia muitos outros. Famílias
      espanholas em roupas de domingo, saindo de seus portões gradeados para as
      ruas, falavam e riam.
      Na base daquela ruela, oculto da visão de Becker, Hulohot xingava em voz baixa.
      Primeiro surgira um único casal separando-o de sua presa. Hulohot esperou que
      partissem. Mas o som dos sinos continuou reverberando, tirando outras pessoas de
      suas casas. Surgiu um segundo casal, com crianças. Cumprimentaram o outro
      casal, falando, rindo, beijando-se três vezes no rosto. Depois surgiu outro grupo, e
      Hulohot já
      não podia mais ver sua vítima. Agora, enfurecido, corria em meio à
      multidão que aumentava rapidamente. Tinha que chegar até David Becker!
      O assassino tentou abrir caminho até o fim da ruela, mas se viu perdido em meio
      a um mar de gente: casacos e gravatas, vestidos, mantas sobre as costas curvadas
      de senhoras idosas. Todos pareciam ignorar a presença de Hulohot. Moviam-se
      sem pressa, todos de preto, uma massa compacta que bloqueava seu caminho.
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