Page 305 - Fortaleza Digital
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comandante levantou a cabeça e deixou aquelas gotas mornas lavarem sua
      culpa. Sou um sobrevivente. Ajoelhou-se e removeu os últimos pedaços da carne
      de Chartrukian que estavam colados à sua mão. Seus sonhos para o Fortaleza
      Digital haviam sido destruídos. Podia viver com isso. Susan era tudo o que
      importava agora. Pela primeira vez entendeu, verdadeiramente, que havia outras
      coisas na vida além da pátria e da honra. Sacrifiquei os melhores anos de minha
      vida em nome da pátria e da honra. Mas onde fica o amor? Havia se privado
      disso por muito tempo. E para quê? Para ver um jovem professor roubar seus
      sonhos? Strathmore treinou Susan. Protegeu-a. Ele a merecia. Finalmente ela
      seria somente sua. Susan viria buscar abrigo em seus braços, agora que já não
      havia onde encontrar abrigo. Viria até ele, indefesa, ferida pela dor e, com o
      tempo, ele lhe mostraria que o amor cura todas as feridas.
      Honra. Pátria. Amor. David Becker estava prestes a morrer por esses três
      motivos.
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      CAPÍTULO 103
      O comandante saiu pela portinhola como Lázaro retomando do mundo dos
      mortos. Apesar de suas roupas encharcadas, seus passos eram leves. Foi na
      direção do Nodo 3 - na direção de Susan e de seu futuro. O salão da Criptografia
      estava novamente iluminado. O fréon fluía para os níveis mais baixos do
      TRANSLTR, como sangue oxigenado. Strathmore calculou que ainda levaria
      algum tempo para que o gás de refrigeração chegasse ao fundo do revestimento
      e impedisse os processadores das camadas mais baixas de queimar, mas estava
      certo de que havia agido a tempo. Suspirou, vitorioso, sem suspeitar da verdade:
      já era tarde demais.
      Sou um sobrevivente, pensou. Ignorando o buraco aberto no vidro do Nodo 3,
      andou até as portas eletrônicas, que se abriram com seu som característico.
      Entrou.
      Susan estava de pé à sua frente, ainda molhada e desgrenhada, coberta por seu
      paletó. Parecia uma universitária pega de surpresa pela chuva. Strathmore se
      sentia como um estudante veterano emprestando seu casaco. Sentiu-se jovem,
      uma sensação que não tinha há muito tempo. Seus sonhos estavam se realizando.
      No entanto, quando se aproximou, percebeu que não reconhecia a mulher à sua
      frente. Ela tinha um olhar gélido e cortante. Não havia suavidade alguma nela.
      Estava rígida como uma estátua. O único movimento perceptível eram as
      lágrimas que caíam de seus olhos.
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