Page 38 - Na Teia - Mauro Victor V. de Brito
P. 38
Na época que eu movi a ação, eu vi alguns deboches sobre a
questão da morte assistida, mas só eu sei o quanto era humilhante
o processo anterior. Nós tínhamos que recorrer a advogados,
muitos deles que enriqueceram com essa indústria, compráva-
mos laudos e nos submetíamos a infinitas sessões de terapia, isso
era a realidade de quem conseguia acessar esse lugar, e, ainda
assim, muitas meninas sumiram para não ser identificadas. Você
não imagina o que é precisar virar um CID de pessoas que já
4
foram aposentadas pelo mesmo problema... exatamente, para
você trocar de nome eles te englobavam e te classificavam com
um CID de doença mental. Então você acha que pedir uma inje-
ção letal foi exagero? Eu poderia ter me tornado um cadáver, mas
me tornei Neon Cunha.
Eu não escolhi o nome Neon, ele me foi dado ainda no ensino
médio, mas eu gosto muito dele, do que ele promove, da ambi-
guidade e da forma que ele soa ao ser pronunciado no estrangeiro.
Estou com 50 anos, sou funcionária pública de São Bernardo
do Campo há 38 anos e vejo que ainda temos muito trabalho a ser
feito do lado oposto e do nosso também. A ditadura acabou oficial-
mente, não efetivamente, nós temos resquícios dela até hoje e isso
5
está posto. Nas ruas as pessoas celebram Ustra . Mas, por outro
lado, nós temos uma geração que não está interessada em resgatar
as nossas histórias.... Uma geração muito egoísta, que acha que a
história começa a partir delas.... Eu ouço muito frases como ‘reco-
nheço e agradeço a tua história’, mas não nos chamam para o rolê,
caíram no mito de serem heróis e heroínas, é preciso tomar muito
cuidado com tudo isso..., mas no fundo eu acredito muito em quem
está vindo agora, vocês estão rediscutindo todas as questões de
gênero e sexualidade e criando políticas importantes para o futuro”.
36