Page 33 - Na Teia - Mauro Victor V. de Brito
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OLHEIRA DA ESQUINA
“Ainda aos 14 anos eu ganho um posto nas ruas, minhas primei-
ras amigas foram Carol, Heloisa, Paulinha, Beatrice e Charlote,
todas faziam parte do seleto grupo das “Tops”, elas se chamavam
assim porque a expressão ‘Top Model’ se popularizou na época. O
engraçado é que eu não me lembro do nome das cafetinas, talvez
por não ter muito contato com elas. A que eu tive uma relação
próxima e pontual foi a Andrea de Mayo
2.
As cafetinas me colocaram para ficar de vigia na esquina, pois
por ser menor de idade, tinha algumas coisas que me garantiam,
com muitas aspas, uma segurança. Sumir com o corpo de uma
adolescente não era algo muito difícil na época, já que o poder
da polícia militar e civil era muito forte, elas podiam basicamente
fazer o que queriam. Além de vigia eu era usada como ‘Vênus
Trap’, por ser novinha e com uma feminilidade que era tida como
natural, eu ajudava a atrair clientes, movimentar o ponto e ser um
rosto novo, uma pessoa nova. Eu era apenas olheira das maio-
res de idade, fui ter uma relação sexual só aos 26 anos, o que me
ajudou a sobreviver ao período que a AIDS acabou com muitas
trans e travestis”.
VIDA DUPLA
“Eu tinha o meu trabalho na esquina, mas eu não abandonei os
estudos nem a prefeitura, porque as manas me estimulavam, elas
me diziam que eu tinha uma coisa que elas não tinham: a possi-
bilidade de estudar. E elas viam que era algo que eu gostava. A
pobreza não era algo digno para nenhuma delas. Lembro que
admiravam muito o meu gosto pela leitura e eu era uma criança
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