Page 30 - Na Teia - Mauro Victor V. de Brito
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Eu admiro muito minha mãe, ela me diz que o tempo todo gestou
uma menina durante a minha gravidez, ela ia em lojas infantis e
dizia que a filha dela seria tão linda quanto aquelas bonecas. Você
consegue imaginar o conflito dela após o parto quando alguém
chega e diz: ‘é um menino’?
Eu comecei a ir muito cedo para a escola, entrei com menos
idade que as outras crianças, isso porquê minha mãe precisava fazer
faxinas. Então ela fez um acordo com a diretora de uma EMEI,
que também era uma das patroas dela, e eu entrei aos três anos e
meio. Foi a minha primeira sensação de abandono, porque eu não
queria me desgarrar da minha mãe e raramente era ela quem me
buscava. Eu era tão apegada que eu sentia que quando ela saía e
nos deixava sozinhos em casa, parecia que não tinha luz”.
INFÂNCIA E DITADURA MILITAR
“Anos mais tarde eu fui perceber que essa questão da luz era algo
físico também, porque ela fechava muito bem a casa quando saía,
pois a gente entendia que a ditadura também não gostava de
crianças pretas e pobres. Infelizmente a gente já era criada com
essa consciência, nós sabíamos quem era a população mais perse-
guida. Se íamos para a rua, era preciso ir com holerite, carteira
de trabalho e outros documentos, porque isso passava uma [falsa]
segurança. As notícias sobre prisões e desaparecimentos também
chegavam muito rápido porque corriam na rádio peão do chão de
fábrica e meu pai era um metalúrgico.
Essa semana eu vi uma manifestação de pessoas pedindo pela
volta da ditadura, pois foi um momento bom. Bom para quem? Para
quem tinha privilégios! Era um período extremamente perverso.
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