Page 348 - Girassóis, Ipês e Junquilhos Amarelos - 13.11.2020 com mais imagens redefinidas para PDF-7
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E à medida que intensificava suas pesquisas os sonhos e pesadelos começaram
a ser mais completos, mais detalhados, cheios de sinais e premonições que
passaram a assombrá-lo também nos momentos de vigília.
Num crescendo sorrateiro, contínuo e persistente, antigas certezas sobre suas
imensas culpas acerca das mortes de seus pais, irmãos e sobrinhos voltaram a
ocupar sua mente.
Começou a se insinuar no seu coração a convicção de que ele poderia ter
impedido a tragédia que os vitimou. Uma convicção imposta a ele através do
grito infinito do Condor, momentos antes das garras cravarem-se sobre sua
carne machucada para levá-lo para o mundo além da vida terrena.
Aquele grito sem fim, ecoando cada vez com maior força ao invés de ir
sumindo, reverberando sobre as rochas e a mata selvagem da formação
abismal sobre a qual ele jazia indefeso, era a tradução do mais belo e
importante som que já ouvira e que, sabia agora, havia salvado sua vida.
E para quê?
Para quê e por que fora salvo das garras da morte certa sobre o precipício?
Era a pergunta que o atormentava e que era repetida e repetida
incansavelmente pela própria morte que recentemente começara a se
apresentar a ele novamente para longas conversas, como acontecia quando
era um menino acuado sob a imensa responsabilidade de criar o mais belo som
já ouvido no mundo e que, ele agora sabia, pois lhe fora recém revelado, era o
som que se repetia reverberando na dureza das rochas e no fundo da
inacreditável altura dos abismos.
Então? Tudo aquilo que ele vivera e que sofrera, toda a vergonha reprimida
por sua covardia, por sua teimosia e, sobretudo, a decepção com a morte que
o atraiçoara negando-lhe o único pedido que lhe fizera, de ser o primeiro a
morrer, de nunca ter de passar pela agonia de enterrar um ente querido.