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ÉDIPO 25
Solilóquio do último filósofo.
Um fragmento da história da posteridade.
O último filósofo, é assim que me designo, pois sou o último
homem. Ninguém me fala a não ser somente eu e minha voz chega a mim
como a de um moribundo! Contigo, voz amada, contigo, último sopro da
lembrança de toda felicidade humana, deixa-me ainda esse comércio de
uma única hora; graças a ti dou o troco à minha solidão e penetro na
mentira de uma multidão e de um amor, pois meu coração rejeita em
acreditar que o amor esteja morto, não suporta o arrepio da mais solitária
das solidões e me obriga a falar como se eu fosse dois.
Ouço-te ainda, minha voz? Cochichas praguejando? E tua maldição
teve de explodir as entranhas deste mundo! Mas ele vive ainda e só me fixa
com mais brilho e frieza de suas estrelas impiedosas, ele vive, tão estúpido
e cego como nunca foi, e um só morre, o homem.
E contudo! Ouço-te ainda, voz amada! Morre ainda alguém fora de
mim, o último homem, neste universo: o último suspiro, teu suspiro morre
comigo, esse longo ai! ai! suspirado em mim, o último dos miseráveis,
Édipo!
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Vemos com a Alemanha contemporânea que o florescimento das
ciências é possível numa civilização que se tornou bárbara; assim também,
a utilidade nada tem a ver com as ciências (embora pareça ser assim pelo
fato das vantagens concedidas aos estabelecimentos de ciências físicas e
químicas e embora simples químicos possam se tornar célebres como
"capacidades").
25 Personagem da mitologia grega que matou o pai e desposou a mãe, sem saber que eram seus pais, pois
fora abandonado nas montanhas quando pequeno; ao descobrir a verdade, Édipo vazou seus próprios
olhos e sua mãe Jocasta se enforcou (NT).