Page 87 - Microsoft Word - FRIEDRICH NIETZSCHE - O Livro do Filosofo.doc
P. 87
objeto, não há causalidade, nem exatidão, nem expressão, mas quando
muito uma relação estética, quero dizer, uma transposição insinuante, uma
tradução balbuciante numa língua totalmente estranha: para o que, em todo
caso, seriam necessárias uma esfera e uma força intermediárias compondo
livremente e imaginando livremente.
A palavra "fenômeno" contém numerosas seduções, é por isso que
a evito o mais possível: de fato, não é verdade que a essência das coisas
apareça no mundo empírico. Um pintor ao qual faltassem as mãos e que
quisesse exprimir cantando a imagem que tem diante dos olhos, revelaria
sempre mais por essa troca de esferas que o mundo empírico não revela a
essência das coisas. Mesmo a relação entre a excitação nervosa e a imagem
produzida não é em si nada de necessário: mas quando a mesma imagem é
reproduzida um milhão de vezes, que foi herdada por numerosas gerações
de homens e que enfim aparece no gênero humano sempre na mesma
ocasião, ela adquire finalmente para o homem a mesma significação que
teria se fosse a única imagem necessária e como se essa relação entre a
excitação nervosa original e a imagem produzida fosse uma estreita relação
de causalidade; da mesma forma um sonho eternamente repetido seria
sentido e julgado absolutamente como a realidade. Mas a solidificação e o
distensão de uma metáfora não garante absolutamente nada no que diz
respeito à necessidade e à autorização exclusiva dessa metáfora.
Todo homem, a quem semelhantes considerações são familiares,
certamente sentiu uma profunda desconfiança em relação a todo idealismo
desse tipo cada vez que teve a ocasião de se convencer claramente da
eterna conseqüência, da onipresença e da infalibilidade das leis da
natureza; e tirou a conclusão: aqui, tanto quanto possamos penetrar, nas
alturas do mundo telescópico e na profundidade do mundo microscópico,
tudo é tão certo, realizado, infinito, conforme às leis e sem lacuna; a
ciência terá de escavar eternamente com sucesso nesse poço e tudo o que
for encontrado concordará e nada se contradirá. Como isso se parece pouco
com um produto da imaginação: de fato, se o fosse, isso deveria deixar
adivinhar em algum lugar a aparência e a irrealidade. Contra isso é deve-se
dizer: se tivéssemos, cada um por si, uma sensação de natureza diferente,
nós próprios poderíamos perceber ora como pássaro, ora como verme, ora
como planta, ou então se um de nós visse a mesma excitação como
vermelha, outro como azul, se um terceiro a ouvisse até mesmo como som,
ninguém falaria então de semelhante legalidade da natureza, mas a