Page 84 - Microsoft Word - FRIEDRICH NIETZSCHE - O Livro do Filosofo.doc
P. 84
forma, onde, pelo contrário, a natureza não conhece formas nem conceitos,
portanto, tampouco gêneros, mas somente um X, inacessível e indefinível
para nós. De fato, nossa antítese do indivíduo e do gênero é também
antropomórfica e não provém da essência das coisas, mesmo se não nos
arriscamos a dizer que ela não lhe corresponde: o que seria urna afirmação
dogmática e, enquanto tal, tão improvável como sua contrária.
O que é, portanto, a verdade? Uma multidão movente de metáforas,
de metonímias, de antropomorfismos, em resumo, uma soma de relações
humanas, figuras e relações que foram poética e retoricamente elevadas,
transpostas, enfeitadas e que, depois de longo uso, parecem a um povo
firmes, canônicas e constrangedoras: as verdades são ilusões que
esquecemos que o são, metáforas que foram usadas e que perderam sua
força sensível, moedas que perderam seu cunho e que a a partir de então
entram em consideração, não mais como moeda, mas corno metal.
Ainda não sabemos de onde vem o instinto de verdade: pois, até
agora só ouvimos falar da obrigação que a sociedade impõe para existir:
ser verídico, isto é, empregar as metáforas usuais; portanto, em temos de
moral, ouvimos falar da obrigação de mentir segundo uma convenção
firme, de mentir gregariamente num estilo constrangedor para todos. O
homem seguramente esquece que as coisas se passam desse modo no que
lhe diz respeito; mente, portanto, inconscientemente da maneira designada
e segundo costumes centenários — e, precisamente graças a essa
inconsciência e a esse esquecimento, chega ao sentimento da verdade.
Desse sentimento de ser obrigado a designar uma coisa como "vermelha",
outra como "fria", uma terceira como "muda", desperta-se uma tendência
moral para a verdade: em contraste com o mentiroso em quem ninguém
confia, que todos excluem, o homem demonstra a si mesmo o que a
verdade tem de honroso, de confiante e de útil.
Agora ele coloca sua ação, como ser "racional", sob o domínio das
abstrações; não tolera mais ser levado pelas impressões súbitas, pelas
intuições; generaliza todas essas impressões em conceitos descoloridos e
mais frios, a fim de ligar a esses a conduta de sua vida e de sua ação. Tudo
o que distingue o homem do animal depende dessa capacidade de fazer
volatilizar as metáforas intuitivas num esquema, portanto, dissolver uma
imagem num conceito. No domínio desses esquemas é possível algo que
nunca poderia ser conseguido por meio das primeiras impressões