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É somente graças à sua capacidade de esquecimento que o homem
       pode chegar a crer que possui uma "verdade" no grau que acabamos de
       indicar. Se não quiser se contentar com a verdade na forma de tautologia,
       isto é, contentar-se com invólucros vazios, vai trocar eternamente ilusões
       por verdades. O que é uma palavra? A representação sonora de uma
       excitação nervosa nos fonemas. Mas concluir de uma excitação nervosa
       para uma causa exterior a nós, já é o resultado de uma aplicação falsa e
       injustificada do princípio de razão. Como teríamos o direito, se só a
       verdade tivesse sido determinante na gênese da linguagem e o ponto de
       vista da certeza nas designações, como teríamos, pois, o direito de dizer: a
       pedra é dura: como se "dura" nos fosse conhecido de outra forma e não só
       uma excitação totalmente subjetiva. Classificamos as coisas segundo
       gêneros, designamos o pinheiro como masculino, a planta como feminino:
       que transposições arbitrárias! Como nos afastamos por um vôo rápido do
       cânon da certeza! Falamos de uma "serpente": a designação atinge somente
       o movimento de torção e poderia convir também ao verme. Que
       delimitações arbitrárias! Que preferências parciais, ora por essa
       propriedade de uma coisa, ora por outra!

              Comparadas entre si, as diferentes línguas mostram que pelas
       palavras nunca se chega à verdade, nem a uma expressão adequada: se
       assim não fosse, não existiriam tão numerosas línguas. A "coisa em si"
       (que seria precisamente a pura verdade sem conseqüência), mesmo para
       aquele que forma a língua, é completamente inatingível e não vale os
       esforços que ela exigiria. Só designa as relações das coisas aos homens e
       para sua expressão se apóia em metáforas mais ousadas. Transpor
       primeiramente uma excitação nervosa para uma imagem! Primeira
       metáfora. A imagem de novo transformada num som articulado! Segunda
       metáfora! E cada vez um salto completo de uma esfera para uma esfera
       totalmente diferente e nova.


              Pode-se imaginar um homem que seja totalmente surdo e que nunca
       tenha tido uma sensação sonora nem musical: assim como se espanta com
       as figuras acústicas de Chladni   43  na areia, encontra sua causa nos
       estremecimentos das cordas e jurará em seguida a respeito que deve saber


              43  Ernst Florens Friedrich Chladni (1756-1824), fisico alemão, autoridade em acústica; estudou as
              vibrações e seus graus de freqüência, bem como suas influências sobre os corpos sólidos; fazia suas
              experiências com areia disposta sobre placas, às quais aplicava vibrações, obtendo resultados de
              deslocamentos sistemáticos e de ondas de freqüência (NT).
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