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intuitivas: construir uma ordem piramidal segundo castas e graus, criar um
mundo novo de leis, de privilégios, de subordinações, de delimitações,
mundo que doravante se opõe ao outro mundo, aquele das primeiras
impressões, como sendo o que há de mais firme, de mais geral, de mais
conhecido, de mais humano e, em virtude disso, como o que é regulador e
imperativo.
Enquanto cada metáfora da intuição é individual e sem similar e,
em razão disso, sabe sempre fugir de toda denominação, o grande edifício
dos conceitos mostra a regularidade rígida de um pombal romano e exala
na lógica essa severidade e essa frieza que é própria da matemática. Quem
estiver impregnado dessa frieza dificilmente acreditará que o conceito,
posto a nu e octogonal como um dado e, como este, amovível, não é outra
coisa senão o resíduo de uma metáfora, e que a ilusão da transposição
artística de uma excitação nervosa em imagens, se não é a mãe, é, contudo,
a avó de todo conceito. Nesse jogo de dados dos conceitos, chamamos
"verdade" o fato de utilizar cada dado segundo sua designação, o fato de
contar com precisão seus pontos, o fato de formar rubricas corretas e de
nunca pecar contra a ordem das castas e a série das classes.
Como os romanos e os etruscos dividiam o céu por meio de rígidas
linhas matemáticas e, num espaço delimitado como se fosse um templo,
conjuravam um deus, assim também cada povo tem acima dele semelhante
céu de conceitos matematicamente repartidos e, sob a exigência da
verdade, julga doravante que todo deus conceitual não deve ser procurado
em parte alguma a não ser em sua esfera. É necessário aqui admirar o
homem pelo fato de ser um poderoso gênio da arquitetura que consegue
erigir, sobre fundamentos instáveis e de certa forma sobre a água corrente,
uma cúpula conceitual infinitamente complicada: — na verdade, para
encontrar um ponto de apoio sobre esses fundamentos, é necessário que
seja uma construção como feita de teia de aranha, suficientemente fina para
ser transportada com as ondas, suficientemente sólida para não ser
dispersada ao sopro do menor vento. Em virtude de ser um gênio da
arquitetura, o homem se eleva muito acima da abelha: esta constrói com a
cera que recolhe na natureza, ele com a matéria bem mais frágil dos
conceitos que só deve fabricar a partir dele próprio. É necessário admira-lo
bastante nisso — mas não por causa de seu instinto de verdade, nem pelo
puro conhecimento das coisas.