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III
INTRODUÇÃO TEORÉTICA SOBRE
A VERDADE E A MENTIRA
NO SENTIDO EXTRA—MORAL
(verão de 1873)
(exposição contínua)
1
Num recanto qualquer afastado do universo, espalhado no brilho de
inumeráveis sistemas solares, houve uma vez um astro no qual animais
inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais arrogante e
mais mentiroso da "história universal": mas foi apenas um minuto. Apenas
alguns suspiros da natureza e o astro se congelou, os animais inteligentes
tiveram de morrer. — Esta é a fábula que alguém poderia inventar, sem
conseguir, contudo, ilustrar que lamentável exceção, quão vaga e fugitiva,
quão vã e fortuita, o intelecto humano constitui no seio da natureza.
Houve eternidades em que ele não existiu; e se o mesmo
acontecesse agira, nada se passaria. De fato, não há para esse intelecto uma
missão mais vasta que ultrapassasse a vida humana. É apenas humano e só
tem seu possuidor e produtor para tomá-lo tão pateticamente como se os
eixos do mundo se movessem em torno dele.
Mas se pudéssemos nos entender com a mosca, conviríamos que
também ela gira no ar com o mesmo pathos e nela sente voar o centro
deste mundo. Não existe nada de tão mau nem de tão insignificante na
natureza que, por um pequeno sopro dessa força do conhecer, não fique
logo inchado como um odre; e da mesma maneira que todo o mensageiro
quer ter seu admirador, assim também o homem mais orgulhoso, o
filósofo, julga ter de todos os lados os olhos do universo apontados com
um telescópio sobre sua ação e sobre seu pensamento.
É notável que seja o intelecto que produz esse estado de fato, uma