Page 32 - Os Lusiadas Contados as criancas e lembrado ao povo
P. 32
«E uma noite, estando já deitado na sua cama doirada, revolvia essa ideia
na sua mente, quando de súbito adormeceu.
«Em sonhos, apareceu-lhe uma região estranha, perto dos montes onde
nasce a Aurora, com gente e plantas desconhecidas, e animais ferozes.
«De um monte fluíam duas fontes claras e altas, cujas águas, abrindo-se,
deixaram sair lá de dentro dois homens muito velhos, escorrendo água
pelos cabelos, dois homens de rosto baço e escuro, de barba farta e
comprida.
«Coroavam-lhes a fronte folhas e ervas nunca vistas.
«O primeiro, que tem um aspeto de cansaço, e que era o de fisionomia mais
grave, bradou para o Rei:
«Ó Rei, que dominas já tão grande parte do Mundo, avisamos-te de que é
tempo de mandares receber de nós
grandes tributos, embora não estejamos habituados a que nos subjuguem,
e nunca mesmo tivéssemos sido subjugados...
«Eu sou o ilustre Rio Ganges, que nasce na China. Este, que vês ao meu lado,
é o Rio Indo, que nasce nesta mesma serra.
«Para nos conquistares, a guerra será dura.
«Mas insistindo tu, acabarás por vencer e dominar, com vitórias nunca
vistas, toda a gente e tudo quanto estás vendo agora...
«Acabou o sonho logo depois de ouvidas estas palavras. D. Manuel
acordou, espantado e agitado...
«Assim que a manhã rompeu, chamou os seus conselheiros e contou-lhes
o que sonhara. Admiraram-se todos com a visão do Rei; mas, crentes na
origem sobrenatural do sonho, concordaram em que é preciso obedecer ao
apelo dos grandes rios da índia, às palavras do velho Ganges, e determinam
mandar preparar navios para a viagem difícil.