Page 326 - As Viagens de Gulliver
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de Lilipute, é claro que a sua conquista não é coisa que valha a pena, pois não
tiraríamos lucros que pagassem as despesas feitas com uma esquadra e um
exército. Pergunto se haverá prudência em ir atacar os Brodbingnagnianos. Seria
muito interessante ver um exército inglês fazer ali uma descida! Ficaria contente,
se fosse enviado a uma região onde se tem sempre sobre a cabeça uma ilha
aérea, pronta a esmagar os rebeldes e com razão maior os inimigos de fora que
quisessem se apoderar desse império? É verdade que a conquista do país dos
huyhnhnms parece muito acertada. Esses povos ignoram o ofício da guerra; não
sabem o que são armas de fogo e armas brancas.
Contudo, se eu fosse ministro de Estado, nunca estaria disposto a fazer
semelhante conquista. A sua elevada prudência e a sua perfeita unanimidade são
armas terríveis. Imagine-se, além disso, cem mil huyhnhnms lançando-se
furiosamente sobre um exército europeu. Que carnificina não fariam eles com
os dentes e de quantas cabeças e estômagos não dariam cabo com as suas patas
traseiras?
Mas, longe de pensar em conquistar o seu país, queria antes que o
convidassem a enviar alguns da sua nação para civilizar a nossa, isto é, para a
tornar virtuosa e mais sensata.
Uma outra razão evita que eu seja de parecer da conquista dessa região, e
de crer que venha a propósito aumentar os domínios de Sua Majestade britânica
com as minhas felizes descobertas; esta é a verdade: a maneira por que se toma
posse de um novo país descoberto causa-me alguns ligeiros escrúpulos. Por
exemplo: um grupo de piratas é impelido por uma tempestade para uma região
desconhecida. Um marujo, do alto da gávea, avista terra, e ei-los logo a singrar
para lá. Aportam, desembarcam na praia, vêm um povo desarmado que os
acolhe bem; logo dão uma nova denominação à terra e apossam-se dela em
nome do seu chefe. Erigem um monumento que atesta à posteridade esta bela
ação. Em seguida, põem-se a matar duas a três dúzias desses pobres índios e têm
a bondade de poupar-lhes outra dúzia, que mandam para as suas cabanas. É este
propriamente o ato de posse que o direito divino começa a fundar.
Depois se mandam outros navios a esse mesmo país para exterminar
maior número dos naturais; submetem os chefes à tortura para os obrigar a
entregar os seus tesouros.
Confesso que o que aí fica não respeita à nação inglesa, que, na fundação
das colônias, faz sempre brilhar a prudência e a justiça e que, sob este ponto,
pode servir de exemplo a toda a Europa. Sabe-se qual o nosso zelo para fazer
conhecer a religião cristã nos países modernamente descobertos e felizmente