Page 324 - As Viagens de Gulliver
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CAPÍTULO XII
Invetivas do autor contra os viajantes que mentem nas relações — Justifica a sua
— O que pensa da conquista, que se quisesse fazer dos países que descobriu.
D ei-lhe, meu querido leitor, uma história completa das minhas viagens durante
o espaço de dezesseis anos e sete meses; e, nessa relação, busquei menos ser
elegante e enfeitado do que verdadeiro e sincero. Talvez tenha na conta de
fábulas e historietas tudo o que narrei e a que naturalmente não encontrou
verossemelhança; porém não me apliquei a procurar rodeios sedutores para dar
força às minhas narrativas e torná-las críveis. Se me não acredita, queixe-se da
sua própria incredulidade; quanto a mim, que não tenho gênio para ficções e
possuo uma imaginação muito fria, relatei os fatos com tal simplicidade que
devia curá-lo de todas as dúvidas.
É-nos dado a nós, viajantes que vamos a países onde quase ninguém vai,
fazer descrições surpreendentes de quadrúpedes, de serpentes, de aves e de
peixes extraordinários e raros. Mas que serve isso? O principal fim de um
viajante que publica a relação das suas viagens, não deve ser tornar os homens
do seu país melhores e mais prudentes e citar-lhes exemplos estrangeiros, seja
para bem, seja para mal, para os excitar a praticar a virtude e a fugir do vício?
Foi isso o que me propus neste trabalho e creio que me devem agradecer.
De todo o meu coração desejaria que fosse decretado por lei que, antes
de qualquer viajante publicar a relação das suas viagens, jurasse em presença do
lord grã-chanceler que tudo o que mandasse imprimir, fosse exatamente
verdadeiro, ou, pelo menos, que assim o julgasse. O mundo não seria talvez
enganado como é todos os dias. Dou antecipadamente o meu voto para essa lei e